Um Ciclone: a resposta carioca para as boy bands paulistas

Já falei aqui da faceta empresário do Gugu Liberato: ele era o nome por trás de boy bands que ficaram famosas no Brasil, como Dominó e Polegar.
Mas teve uma banda que, ao contrário dessas, era carioca e, ao meu ver, por causa disso mesmo tinha mais a cara da Globo: o sotaque, o estilo, a ginga. Era o Ciclone, formado em 1983.

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Formado por Coimbra, Ricardo, Dudu, Sérgio e Marcelo, o Ciclone começou com algo que era comum entre as boy bands brasileiras: uma versão. Nesse caso, a música era Inflamável, versão de Easy Lover de Phil Collins:

Que tal? A nova letra é de Ribeiro José Francisco. Essa foi a primeira música deles, e no álbum que só saiu em 1985, é a última faixa.

O disco Delícia, aliás, é o único da banda. Ele foi puxado por Tipo One Way, o maior hit deles, que fez parte da trilha sonora da novela hit A Gata Comeu.

Com o instrumental muito próximo do BRock que bombava na época (uma guitarrinha meio Blitz, uma batida para dançar), Tipo One Way traz os integrantes cantando em uníssono, quase um jogral mal ajambrado.

Ouvindo a melodia, meio ieieié atualizado, e a palavra “broto” entre outras gírias da época… você não lembra de outra coisa?
Eu lembro. E faz sentido. Presta atenção:

(A energia caótica desse clipe. Que delícia!)

Bom, faz tempo que eu sou um pouco fissurado pela figura de Neusinha Brizola. Ela, que morreu em 2011, é um ícone pop apagado pelo tempo - mais um. Cheguei a ler biografias do pai Leonel Brizola em si para ver se captava algo dela e, no fim, só fiquei sabendo que ela era sobrinha do João Goulart, o Jango, coisa que minhas aulas mequetrefes de História do Brasil nunca tinham me avisado rsrsrsrsrsrsrs
(Para quem também teve uma formação em História fraca: Brizola era casado com Neusa Goulart, irmã do Jango; por isso Neusinha era chamada no diminutivo, tinha o mesmo nome da mãe)
Cacei a biografia dela Neusinha Brizola – Sem Mintchura, que é esgotada, e nunca consegui achar um exemplar em sebos ou na internet.
Mas o que sei é que, em algum momento da vida, rolou um encontro de almas: Neusinha encontrou com Joe Euthanazia.

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Foi com Neusinha que esse gaúcho (como ela) lançou seu primeiro hit, Mintchura, composição dela e dele. Em 1983, ano do lançamento do disco homônimo de Neusinha, ela já tinha feito quase tudo: era adicta e se relacionou com traficante barra pesada, engravidou, casou…
Já Joe, nascido José Luís Athanazio de Almeida (sim, seu nome artístico é uma brincadeira com um de seus sobrenomes), já tinha rodado por aí, aterrissado em Minas Gerais para se aproximar dos seus ídolos do Clube da Esquina e em SP, participando de coisas aqui e ali até que reencontrou com Neusinha - eles já se conheciam de Porto Alegre. E, dizem, foi ela quem o rebatizou como Joe Euthanazia.

Quando a parceria se desgastou, um tempo depois do lançamento do disco que trazia quase todas as músicas assinadas pelos dois, Joe seguiu meio cigano. Ele chegou a gravar discos solo (um em 1985 e outro em 1989) e também teve outros sucessos nas vozes de outras pessoas, como Tudo Pode Mudar, composta com Ronaldo Santos e hit da banda Metrô e Avião de Combate (Nada Pode Deter Uma Mulher Feliz), também feita com Ronaldo e do primeiro disco do Sempre Livre.

Com Tavinho Paes (um letrista hit maker incrível), ele fez várias outras coisas.
Como She-ra, da Xuxa. Sim, aquela mesma. (E na letra, a She-ra é convidada para uma festa da pesada no Palácio de Cristal, quase a mesma festa na cobertura que era mintchura da Neusinha!)
E Tipo One Way! Taí, toda essa volta para chegarmos nela.
A dupla Joe e Tavinho também são responsáveis pelo outro hit do Ciclone: Delícia.

Eu acho até mais legal que Tipo One Way, sabia?

Joe infelizmente morreu em 1989, em um acidente de carro. A história dele, em detalhes, está contada aqui nesse artigo publicado no Jornal do Comércio.

O Ciclone ainda durou até 1986, mas acabou sem fazer um segundo disco.

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The Diamonds? Não: Os Diamantes

Marina Diamandis lançou música nova recentemente. É Man's World e é bem OKzinha perto do incrível Froot de 2015 (tá bom, talvez seja melhor que OKzinho). Hoje ela assina apenas Marina, tal qual já foi o caso de Marina Lima, mas até pouco tempo atendia por Marina and the Diamonds. Era quase uma brincadeira, já que ela funcionava (e segue funcionando) como uma artista solo e não como uma banda. Também era esse o caso de Florence + the Machine, apesar de no caso de Florence Welch a banda ter existido de maneira mais concreta.

Essa mania de Não-sei-quem & the Fulanos é uma tradição pop dos anos 1950 e 60 que, no BRock, foi resgatada de maneira irônica. Kid Abelha & os Abóboras Selvagens, Lobão & os Ronaldos, Gang 90 & as Absurdettes.

E também tinha sabe o quê? Tania Cristal e os Diamantes. Parece inventado mas é sério: Tania Cristal e os Diamantes era uma das tantas bandas da época que fortaleceram a cena mas não entraram para a história.

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Para tentar encontrar a nova Blitz ou o novo Kid Abelha, era normal que as gravadoras lançassem coletâneas com músicas inéditas dos grupos que surgiam a cada esquina. Um exemplo é a Rock in Brazil, da RCA, de 1985. Nela tinha João Penca e Seus Miquinhos Amestrados (olha o & aí de novo!), Herva Doce (com o megahit Amante Profissional), Lobão e os Ronaldos (com Corações Psicodélicos) e Brylho (com Totalmente Demais – um registro raro, já que a versão que ficou famosa foi a da Hanoi Hanoi, banda de Arnaldo Brandão quando ele saiu da Brylho) ao lado de Xok (com a bobinha Encontro Marcado de George Israel, do Kid, mais Nilo Romero e Rogério Meanda; é fofa e esquecível), Sylvia Patrícia (com Lady Pank, uma homenagem à banda polonesa Lady Pank; por onde andará a baiana Sylvia?) e Tania Cristal e os Diamantes com Vamp Atômica.

Vamp Atômica é uma música da própria Tania Cristal. Começa com uma guitarrinha gostosa, e a voz e entonação de Tania lembram vagamente as de Neusinha Brizola. A lógica usada aqui é a contrária da Blitz – voz principal feminina com coro masculino. E o tema? É engraçado: a mulher está irritada porque o cara entrou “numas de QI” e comenta: “não viu minhas pernas, minha beleza esperta. Ideias na cabeça é querer demais!". O humor autodepreciativo sempre é o meu tipo de humor! kkkkkkkkk Fora que alguém se autodenominar vamp atômica é absolutamente MARAVILHOSO, né?

(Atomic, do Blondie, foi lançada em 1980. O desastre em Chernobil só aconteceria em 1986.)

A banda só contou com esse registro fonográfico. Mas Tania seguiu: mudou o nome artístico para Tania Christal. Em 2002, a pernambucana lançou o álbum homônimo Tania Christal. No single, sai a vamp e entra… O Homem Lobisomem!

Uma música eletrônica com spoken word, ela retrata justamente o homem que não vai entrar numas de QI… Lua cheia e ele a pega na rua numa paixão que… deixa marcas, se é que me entendes. “O homem urrava, era um homem fera, um homem que se transforma…”

O disco está presente com outro nome, Insane, nas plataformas digitais, mas pelo que entendi são as mesmas músicas em outra ordem.

Entre as várias músicas, algumas são parcerias com a superamiga dela Numa Ciro. Numa tem 70 anos. Sabe quando ela lançou o primeiro álbum?
Em 2020.

Participações de José Miguel Wisnik, Jussara Silveira, Armandinho, Lan Lanh, Socorro Lira. Sentiu o impacto?

E, claro, também tem Tania Christal numa faixa que é composição das duas: Vigésima Hora.

O disco de Numa Ciro é ótimo.
Já faz um tempo que Tania mora na Europa.

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