A Trilogia da Rapariga

Trilogias fazem parte do nosso imaginário cultural e a gente adora. A série Millenium. Jogos Vorazes. De Volta Para o Futuro. Matrix (que inventaram de fazer um quarto, fazer o quê). Os primeiros Star Wars (e a lógica de serem sempre conjuntos de 3 filmes).

E tem a Trilogia da Rapariga. Você que amou Amor de Que da Pabllo Vittar mal sabe que tudo tem uma origem, meu amor. Com vocês… Sirano & Sirino, mais uma referência que vos trago do meu Ceará.

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Sirano começou carreira solo em 1982 e, em 1988, formou uma dupla com o irmão Sirino. Lá em 1999 eles já flertavam com a música que se refere à prostituta, meio que atualizando Odair José para o forró, em Mulher de Cabaré.

Machista? Sim. Mas isso não faz parte da trilogia ainda, calma pra tu ver.

Em 2003 sai o álbum Amor de Rapariga é que é Amor (eu juro que o nome é esse), cuja primeira música, logo de cara, é Amor de Rapariga / Ele Vai Voltar, o maior sucesso deles até hoje.

A gravação na verdade é ao contrário: começa com Ele Vai Voltar e a primeira música da trilogia na minha concepção de narrativa, Amor de Rapariga, chega depois. kkkk Sei lá, para mim o storytelling fica errado se começa com a outra. Então aqui vou colocar outra versão, dos irmãos com Aviões do Forró, na qual eles começam por Amor de Rapariga em si:

Amo esses versos: “Ela não é santa, tu também não é / É Julia Roberts, Uma Linda Mulher / Não é estressada como você é / Não é abestada, entenda como quiser”. Na sequência tem outra música que não faz parte da trilogia.

A ideia é que a rapariga (sinônimo de amante, a outra, no norte e nordeste) é melhor que a esposa. E na música, o cara está se dirigindo à esposa em si, dizendo que a amante é melhor que ela! Fala que com a amante não existe briga, que é mais tranquilo.
A "cultura da rapariga” ainda é resistente na sociedade nordestina, quase como uma instituição. Normaliza-se a existência dessa relação (não legalmente, mas socialmente sim). Parece que faz parte do drama: o homem tem outra, reclama-se e briga-se, e surpreendentemente não se separa. Aliás, como em toda sociedade machista, culpa-se a outra. Dá para perceber bem isso na segunda parte, que acabou confundida com o título Amor de Rapariga por causa do seu lançamento no disco mas que na verdade chama Ele Vai Voltar ou Amor de Rapariga Não Vinga Não (e a versão do marido é chamada de Amor de Rapariga É Bom Demais para diferenciar). A confusão aumentou ainda mais quando no álbum Dando Banho de Gato (2004) Sirano & Sirino gravou uma segunda versão (melhor!) mas na mesma sequência, com Ele Vai Voltar primeiro, e somente com o título Amor de Rapariga! Escute abaixo a versão da banda Mulheres Perdidas para Ele Vai Voltar.

“Tire o meu nome da sua boca" - começa assim, pense! Mas, como eu disse, é da esposa para a rapariga em si, o que não faz o menor sentido, né? É petulante ("Tô esperando ele / rindo de você") e submissa (“Eu sei que ele pra mim vai voltar / É uma questão de tempo ele te deixar"). E a premissa de que todo homem quer uma mulher só sua? Enfim!

Mas aí vem a consagração. A melhor coisa. Que é a Resposta da Rapariga, também conhecida como Amor de Rapariga (A Resposta) - ouça também com Mulheres Perdidas!

A rapariga também responde para a esposa - afinal a esposa se dirigiu a ela. E fala coisas incríveis, do tipo “não me ligo em ninguém, eu gosto mais de mim" e "eu só quero te dizer que a culpa não é minha / os homens são iguais, por isso estou sozinha". Tem uma frase que eu acho que meio que caga: “essa é a minha sina, tente entender", como se fosse só uma questão de destino sem poder de escolha. A música acaba em tom de ameaça: "não deixe seu marido vir me procurar".

A melodia das 3 tem coisas em comum, e claro, é proposital. Quase uma ópera-forró! Odeio musical mas assistiria. Imagina?! Fica aqui registrado o meu amor pela Mulheres Perdidas, que é do mesmo grupo do Calcinha Preta (e aliás foi batizado com o título de uma música do Calcinha Preta).

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Odair José & Diana: uma história bem atribulada

Um dos casais mais explosivos da história da música brasileira foi formado ainda nos anos 1960. Ana Maria Siqueira Iório e Odair José de Araújo estavam começando as carreiras artísticas como Diana e Odair José e se apaixonaram. Casaram-se oficialmente em 1973, quando paralelamente o sucesso para ambos chegou (Odair gravou seu clássico Vou Tirar Você Desse Lugar em 1972; Porque Brigamos e Ainda Queima a Esperança de Diana é do disco de estreia dela, também de 1972).

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Dizem que Diana pegou birra com jornalista e por isso é tão avessa a eles: o povo dava mais valor às histórias de brigas do casal do que ao trabalho artístico, principalmente o dela. Odair tem coisas incríveis em sua discografia (O Filho de José e Maria, por exemplo, do qual vamos falar daqui a pouco), mas Diana também, e a sensação é de que ele é muito mais incensado hoje que ela.
Justiça seja feita: a cantora Bárbara Eugenia resgatou Diana nessa década, cantando várias músicas do repertório dela e com ela! Foi Fernando Catatau quem apresentou Diana para Bárbara na discotecagem do aniversário da cantora em 2008.

E adivinha quem estimulou essa união? Sim, ele mesmo: Odair José. Bárbara cantou uma das músicas do repertório de Diana, Porque Brigamos, no programa Som Brasil da Globo dedicado ao brega (não concordo com o rótulo mas que seja). Odair estava no backstage e elogiou, disse que ela tinha que gravar a música, que combinava muito.
Bárbara gravou no álbum É o que Temos (2013). E aí Diana a procurou!
Mas Bárbara poderia ter conhecido Diana antes: em 2006, a linda versão de Everything I Own, original da banda Bread, que virou Tudo o que eu Tenho com Diana, era a música que abria o longa O Céu de Suely de Karim Aïnouz. Everything I Own já foi regravada por Olivia Newton-John, Culture Club do Boy George e até *NSYNC! Sinceramente? Não sei se é por causa do filme, que é lindo e delicado, mas para mim a versão da Diana é a melhor de todas disparado.

Voltando ao Odair José com Diana: a filha do casal, Clarice, nasceu em 1976. Em 1977, se separaram. Odair diz que eles foram o quarto casal a conseguir obter o divórcio no Brasil, em 1981, logo após a lei sair. E a coisa mais esquisita: quando Clarice ficou muito doente e foi internada no Hospital Sírio Libanês, Odair conheceu o segundo grande amor da sua vida. Era Jane, que trabalhava na administração do hospital.

Odair e Jane se casaram em 1984. Essa foto é de 2014, quando eles comemoram 30 anos de casados!

Odair e Jane se casaram em 1984. Essa foto é de 2014, quando eles comemoram 30 anos de casados!

Ficou uma história de que Diana teria esfaqueado Odair em dezembro de 1973, por causa de uma manchete do jornal O Dia. Ela defende que não é isso: a notícia seria um clickbait da época, porque se tratava de uma facada… financeira. Ela explica que Odair acreditou que se essa história de que ela tinha o agredido fosse mais divulgada ele ia vender mais. Essa é uma das maiores mágoas de Diana, que hoje faz shows pelo interior do Brasil (dizem que são animadíssimos, eu infelizmente nunca consegui ir em um).

Não é estranho que as referências sobre Odair José hoje quase nunca citam Diana e tudo que sai sobre a Diana fala de Odair? E não posso deixar de pensar que o esgotamento do sucesso dela, que foi tão famosa um dia, é relacionado com o preconceito co…

Não é estranho que as referências sobre Odair José hoje quase nunca citam Diana e tudo que sai sobre a Diana fala de Odair? E não posso deixar de pensar que o esgotamento do sucesso dela, que foi tão famosa um dia, é relacionado com o preconceito contra a mulher separada

Queria falar mais do trabalho da Diana primeiro: um nome importante por trás dos sucessos dela é Raul Seixas. Ele produziu as primeiras coisas dela, na CBS, inclusive o mítico álbum de estreia, o chamado "disco azul". Também compôs, desse primeiro repertório pós-tentativa de vendê-la como jovem guarda numa época que a jovem guarda já tinha acabado, Estou Completamente Apaixonada e Ainda Queima a Esperança com Mauro Motta. A artista diz que ele a chamava de sua "maluca beleza". O álbum é MARAVILHOSO. E é roqueiro sim!

O álbum de 1973, Uma Vez Mais, também é produção de Raulzito, portanto é bom:

Em 1974, Diana mudava de gravadora e deixava a parceria com Raul. O disco Você Prometeu Voltar é legal sim, contava com Jairo Pires e o então marido Odair José como produtores e traz músicas incríveis como Foi Tudo Culpa do Amor e pérolas escondidas como Que Vontade Eu Sinto de Voltar:

Já Odair vive sendo redescoberto a cada cinco minutos, né? Ele renega o título de terror das empregadas, porque diz que nunca foi bonito. Parece que aceita mais o título de Bob Dylan da Central. Uma das coisas que eu mais adoro da discografia dele é O Filho de José e Maria, uma tentativa de ópera-rock que não deu certo na época e hoje é cult. Ganhou versão ao vivo em 2014 - mais ou menos a mesma época que Bárbara Eugenia resgatou Diana!

Pensa que o disco foi lançado em 1977 e traz uma narrativa bombástica, tipo uma versão contemporânea de Jesus Cristo: diz que José e Maria não eram casados, que Jesus foi concebido tipo numa noite alegre e é isso aí, que o mesmo assume sua homossexualidade e usa drogas… E você achando Like a Prayer muito babado, né? A gravação contou com a guitarra de Hyldon (aquele da casinha de sapê!), piano de Robson Jorge (o parceiro de Lincoln Olivetti) e integrantes do Azymuth, o que garantiu um belo suíngue nas músicas.
Odair sofreu ameaça de excomunhão da igreja católica. Voltou para o repertório romântico mais popular, mas nunca mais alcançaria as mesmas vendagens de antes. Dele ainda recomendo o anterior Assim Sou Eu… (1972), o primeiro dele pela Polydor que conta com o instrumental da banda Azymuth, exceto a última faixa, Cristo Quem é Você, com arranjos de Zé Rodrix e acompanhamento luxuoso da banda Som Imaginário que fazia a cozinha de Milton Nascimento:

E claro, o clássico:

O curioso de Vou Tirar Você Desse Lugar é que ela foi um compacto lançado um pouco antes de Assim Sou Eu… e não entrou no álbum. Instigante!
Ah, e Odair jura que Vou Tirar Você Desse Lugar não é biográfica - ele explicou em uma edição de 2004 na revista Trip que nunca aconteceu de uma prostituta se apaixonar por ele. “Infelizmente não aconteceu. Porque se uma prostituta se apaixonar por você, ela será a mulher mais fiel do mundo. Se ela optar ficar com você, é porque encontrou o que quer."

Agora uma curiosidade mais instigante ainda. Não, não é a Sandy: Clarice Iório, a filha de Diana e Odair, cantando Bring me to Life. !!!!!! Filha de roqueira, roqueira é…

Uma reportagem pós-desquite (!): Clarice no colo de Diana. Na entrevista, Diana diz: “Elis é uma grande estrela; eu sou uma flor selvagem".

E é isso. Vou encontrar minha paz num mosteiro.
Ouçam Diana.