Todos os caminhos levam ao Secos & Molhados

Quando o Secos & Molhados lançou o primeiro disco, em 1973, eu ainda não era nascido e minhas irmãs também não (somos todos gêmeos e nascidos na década de 1990, oras).
Brincadeira, mas o que quero dizer é que eles não estavam no meu radar na infância e adolescência. Foi na faculdade que comprei a versão da série Dois Momentos, um CD com os dois álbum da formação original da banda, e comecei a saber mais sobre ela.

Gerson Conrad, João Ricardo e Ney Matogrosso, o Secos & Molhados original

Gerson Conrad, João Ricardo e Ney Matogrosso, o Secos & Molhados original

Sempre me instigou essa história do trio que questionou valores tradicionais em plena ditadura militar virando um retumbante sucesso. Um sensual Ney cantando para um Maracanãzinho lotado. As pinturas no rosto que polemizam o Kiss - foi uma cópia, é uma coincidência? As músicas em si, um pop rock cheio de poesia e aberto a tantas interpretações. E o fato dele ter sido a porta de entrada de Ney Matogrosso para a fama, sendo que tanto Gerson quanto João nunca conseguiram ter tanto reconhecimento quanto ele depois do fim do S&M. Será que Ney faria sucesso mesmo sem esse fenômeno? Será que se o S&M tivesse continuado com essa formação, os próximos álbum teriam vendido bastante?
Para você ter uma ideia, tem gente que defende que o desenvolvimento da indústria fonográfica brasileira se divide entre antes e depois do primeiro álbum do Secos & Molhados. Os números astronômicos de vendagem (mais de um milhão) teriam forçado uma profissionalização.

O disco clássico - aquele ali do fundo é o Marcelo Frias, baterista que desistiu de ficar na banda depois que a foto já tinha sido produzida. Acabou se mantendo na capa, mas não ganhou os louros das vendas e continuou recebendo como músico contratado

O disco clássico - aquele ali do fundo é o Marcelo Frias, baterista que desistiu de ficar na banda depois que a foto já tinha sido produzida. Acabou se mantendo na capa, mas não ganhou os louros das vendas e continuou recebendo como músico contratado

Marcelo Frias, aliás, é história pura da música brasileira: antes dessa foto, ele já tinha tocado bateria no Beat Boys e acompanhou com essa banda ninguém menos que Caetano Veloso cantando Alegria Alegria no Festival Record de 1967, momento seminal do tropicalismo ao lado de Domingo no Parque com Gilberto Gil e Os Mutantes.

Recentemente comecei a ler e mergulhar mais no universo do Secos & Molhados e descobri um monte de ligação muito exótica que pode ser que prove que 1) Os anos 1970 eram o equivalente à cena hipster paulistana, onde todo mundo se conhece; 2) todos os caminhos levam ao Secos & Molhados.
OK, isso é um exagero, nem todos os caminhos levam a eles, mas vários levam sim, e você nem imaginaria essas ligações. Então vem comigo - esse post é baseado nos livros Primavera nos Dentes: a História dos Secos e Molhados e Pavões Misteriosos - 1974-1983: a explosão da música pop no Brasil, mais pesquisas em outros livros e sites. Recomendo a leitura de ambos!

Rita Lee & Roberto de Carvalho

Nunca entenderei esse mafuá, e não existe confirmação oficial. Rita e Roberto, a dupla que a gente aprendeu a amar, se conheceu exatamente em que ano? Dizem que foi em 1976. Mas antes disso, e entre a saída definitiva de Rita dos Mutantes e 1976, estão cerca de 4 anos. O que aconteceu nesse período?
Bom, uma das coisas que aconteceu foi a gravação de Menino Bonito, lançada no disco Atrás do Porto tem uma Cidade de 1974 sob a assinatura Rita Lee & Tutti Frutti.

E sabe o que dizem? Que essa música teria sido composta por Rita para João Ricardo, o português do trio Secos & Molhados.
!!!
Para começo de conversa, João não é exatamente bonito, pode até ser interessante mas sei lá.
Segundo que… João Ricardo e Roberto de Carvalho se conheceram em 1975 ou um tanto antes, mas não depois. É de Roberto a ótima guitarra do primeiro disco solo de João, homônimo que ficou conhecido como o Disco Rosa.

Tem gente que não gosta do Disco Rosa. Acha que forçou a barra, quis trazer uma coisa da androginia de Ney para João que não deu certo, tem a música Vira Safado que seria uma tentativa de repetir o sucesso do clássico O Vira em uma… repetição. Minha opinião? O disco é ótimo. E é uma das várias obras que vão pintar nesse post que a gente ouve e fica pensando: imagina se o Secos & Molhados tivesse continuado com sua formação original? Imagina essas músicas com Ney Matogrosso e Gerson Conrad?
Eu ia amar. <3 Salve-se Quem Puder é tudo, um roquinho bem Secos & Molhados, bem anos 1970, com gritinho uuuuh! e tudo o mais. Balada para um Coiote na minha opinião teria potencial de hit tão grande quanto Assim Assado. Sorte Cigana também ficaria linda na voz do ex-vocalista da banda. E quer saber, até o Vira Safado me atrai!


Roberto estava entrando na “cozinha” que mantinha alguns integrantes dos dois primeiros discos do S&M. Entre eles, o tecladista Emilio Carrera e o baixista Willie Verdaguer. Então Roberto substituía o guitarrista anterior, John Flavin – a maior doideira porque Flavin, por sua vez, ia tocar com uma pá de gente, incluindo…

Arnaldo Baptista

Da mesma forma que os caminhos de Rita e Roberto se cruzaram com os do Secos & Molhados, os de Arnaldo, ex de Rita e outro integrante dos Mutantes, também passaram por lá. É que Flavin, autor de uma guitarra importantíssima do S&M nos shows e dois primeiros álbuns, participa do disco Elo Perdido do Arnaldo & Patrulha do Espaço.

Esse disco foi gravado em 1977 mas só foi lançado em 1988. Esses cruzamentos fazem sentido: a cena roqueira da década de 1970 em SP não era exatamente gigantesca. Nem a da música popular brasileira em geral. De certa forma o trio Mutantes e o trio S&M seguiam uma sequência de abertura da cabeça da MPB.

Ney gravaria Balada do Louco, de Arnaldo e Rita, em 1986 no disco Bugre. Virou um hit do seu repertório.

Elis Regina

Elis e Secos & Molhados? Que ponte é essa?! Calma que eu vou chegar lá!


Depois de gravar o Disco Rosa, João Ricardo foi procurar novas sonoridades. O resultado em 1976 é Da Boca pra Fora, que também é um disco bom. Acho que é difícil pra gente reconhecer que João é um artista bem interessante, apesar de ter virado o vilão da história no Secos & Molhados. Mas a gente sabe que não existe só 8 ou 80 - são vários os números entre eles. As verdades são relativas… Acho o João arrogante por algumas declarações, ele já disse umas coisas bem horrorosas tanto sobre Ney quanto sobre Gerson. Mas as músicas são boas, fazer o quê?

Nesse meio tempo, a turma do William Verdaguer e do Emilio Carrera ficou assim, por aí. Roberto de Carvalho já estava encontrando com Rita Lee e formando uma parceria amorosa e profissional. Então John Flavin, antes da Patrulha do Espaço, voltou a tocar com os amigos da cozinha do S&M formando a banda Humahuaca. Eles misturavam o rock, o jazz e a música popular latino-americana - William é argentino. É o Humahuaca que acompanha Elis Regina em um programa na Bandeirantes, um registro que só os megafãs conhecem mais e que tiraram do ar do YouTube.

A música cantada por Elis nesse programa também se chamava Humahuaca. Existia um projeto de gravação de disco com Cesar Camargo Mariano, então marido da cantora, mas a coisa flopou. Imagina um disco deles com alguns vocais de Elis? Era essa a ideia. Tipo a mesma cozinha do Secos & Molhados, só que com a voz da Elis Regina!


Agora deixa eu falar de um cara que passou pela vida da Elis Regina. E que, dizem, fez Cheia de Charme para Rita Lee. Tô falando, essa história toda tem tantos cruzamentos que nem sei!

Guilherme Arantes

A ponte entre Guilherme Arantes e Secos & Molhados é muito mais curta do que você está imaginando. Ela vem na forma de Moracy do Val, que produziu o Secos & Molhados e arrumou o primeiro contrato deles com uma gravadora, a Continental. A história é nebulosa e cabulosa: Moracy teria entrado em atrito com ninguém menos que o pai de João Ricardo, o poeta João Apolinário. João pai assumiu os negócios e a produção , e esse teria sido um dos estopins para a saída de Ney e Gerson da banda.
Acontece que Moracy, nesse meio tempo, começa a produzir outra banda: a Moto Perpétuo. Parece que ele nem chegou a concluir a produção do álbum exatamente porque a coisa para o lado do S&M começou a complicar cada vez mais – tudo aconteceu meio que ao mesmo tempo. O disco homônimo de 1974 ficou conhecido como o primeiro registro em estúdio de Guilherme Arantes, o vocalista e tecladista, além de ser compositor de quase todas as músicas.

Alguns anos depois, Elis Regina teria um sucesso radiofônico com Aprendendo a Jogar. O compositor? Guilherme Arantes.

Antes disso - e um ano antes do Secos & Molhados entrar em estúdio - Elis lançava Casa no Campo. A autoria: Tavito e…

Zé Rodrix

Foram dois álbums clássicos: Passado, Presente e Futuro (1972) e Terra (1973). As pessoas até costumam apontar o primeiro como mais bem amarrado, mas o meu preferido é Terra: não posso ignorar o poder que a música Mestre Jonas tem sobre a minha pessoa. Simplesmente amo. O trio Sá Rodrix & Guarabyra, coincidentemente, tinha como primeira inspiração o mesmo trio que fazia a cabeça de João Ricardo: Crosby Stills & Nash.

Segundo a biografia O Fabuloso Zé Rodrix de Toninho Vaz, depois do grupo se dissolver e enquanto Zé preparava seu primeiro álbum solo, I Acto, que também saiu em 1973, ele ainda foi lá e participou da cozinha do álbum do Secos & Molhados. Workaholic! É dele o acordeon no superhit O Vira, sugerido por Verdaguer, e o arranjo de Fala, onde tocou o sintetizador Moog. Bela participação!

Mas voltando um pouco: sabe com quem foi a primeira parceria de Sá, ou melhor, Luis Carlos Sá, outra terça parte do trio?

Luhli

Em 1965, antes mesmo de conhecer Guarabyra, Sá encontrou Luhli, que ele diz ser a sua primeira parceira em uma música! Eles faziam parte do Grupo Mensagem com outras pessoas como Sidney Miller e Soninha Ferreira (do Quarteto em Cy). Participaram de um musical no teatro Opinião. Luhli, por sua vez, é peça-chave do Secos & Molhados.
Anos depois, Luhli se apresentava no Kurtisso Negro, um lugar no Bixiga onde a primeira formação de Secos & Molhados, com os hoje esquecidos na história Fred e Pitoco mais João Ricardo, apareceu em público. Acabou a primeira formação, mas ficou uma amizade entre João e Luhli. Eles compuseram algumas músicas, e duas delas entraram no primeiro álbum do S&M, coincidentemente as que Zé Rodrix colocou o dedo: Fala e O Vira.

E mais: foi Luhli quem sugeriu o nome de Ney Matogrosso para João como novo vocalista! Diz a lenda que ele teria comentado que queria um "vocalista de voz aguda” e ela teria respondido “conheço alguém assim, o nome dele é Ney e ele está no Rio".

Nessa época Luhli já era mulher de Luiz Fernando da Fonseca, fotógrafo, e morava num casarão em Santa Teresa. A partir daqui a história fica um pouco misteriosa: Lucina foi namorada de Ney em algum momento, mas como ele não gosta de comentar a vida pessoal, ela sempre respeitou isso. Em certo momento Luli & Lucinha (era assim que elas assinavam na época) viraram dupla musical. E em 3 anos seriam um trio na vida pessoal: Luhli, Lucina e Luiz, trisal bem antes do poliamor ser mais discutido como agora, e que durou até Luiz morrer em 1990. Chique!!!

Essa foto da cabeça das duas juntas, que é da capa do primeiro álbum da dupla, foi feita por Luiz. Juntos, eles tiveram duas meninas (Luhli) e dois meninos gêmeos (Lucina). Elas dizem que o pessoal ficou meio cabreiro quando o trisal se assumiu, mas Ney não se afastou - continuou fiel a essa amizade e gravou várias músicas delas também na carreira solo, como Bandoleiro. A foto da capa do primeiro álbum solo de Ney (aqui embaixo você vai vê-la) é de Luiz também. O livro Ney Matogrosso: Ousar Ser é recheado de fotos de autoria dele. E Luiz fez outras coisas incríveis como a foto da capa do álbum de Tetê Espíndola Pássaros na Garganta de 1982.

Astor Piazzolla

Um dos primeiros passos solo de Ney Matogrosso depois do fim do S&M foi falar com Astor Piazzolla num show que o músico argentino estava fazendo no Rio. Disse que adoraria gravar com ele, e não é que o já mito da música também quis? Ney foi para Roma, onde Piazzolla morava. As duas músicas que gravaram entraram no primeiro disco solo de Ney, Água do Céu - Pássaro, de 1975. São as duas últimas, um bônus que quando lançado em vinil vinha num compacto anexado e com as edições em CD viraram parte do álbum.

Outra curiosidade que faz a gente voltar um pouquinho em item anterior: a primeira música desse mesmo disco Água do Céu - Pássaro é Homem de Neanderthal. A autoria? Sá e Guarabyra! Mas acho a produção meio experimental demais, não curto muito:

Zezé Motta

Essa muita gente sabe, mas parece que pouca gente realmente descobriu esse álbum, o primeiro "solo” de Gerson Conrad pós-S&M. Entre aspas porque na verdade é um álbum de dupla, dele com a atriz e cantora Zezé Motta.
E sabe do que mais? Acho bem legal. Também me faz ficar pensando que músicas teriam entrado no terceiro álbum do Secos & Molhados, cantadas por Ney.

As letras são do mesmo Paulinho Mendonça de Sangue Latino e Delírio; todas as melodias são de Conrad.
Uma curiosidade que muita gente esqueceu é que em 1981 Conrad lançou outro disco homônimo. Hihihihi… Interessante, a música Rosto Marcado já tem um gosto forte de coisas do BRock oitentista:

Em 2018 saiu o álbum Lago Azul de Gerson Conrad. As parcerias com Paulinho Mendonça também voltaram em Gatos de Muro e Antes que Amanheça.

Os outros discos do Secos & Molhados

Além dos álbuns solo de João Ricardo, ele também seguiu lançando discos sob o nome de Secos & Molhados. Geralmente ele arrumava um cantor de voz aguda (afff, que fetiche) e mais alguns integrantes. Pelo menos dois desses são dignos de nota:

O terceiro álbum trazia vocal de Lili Rodrigues e guitarra de Wander Taffo, que depois faria parte da banda Rádio Táxi com integrantes da Tutti Frutti de Rita Lee - uau, por esse plot twist você não esperava! Foi a Rádio Táxi que gravou a primeira versão de Eva em 1982, que virou hit de novo em 1997 com a Banda Eva e Ivete Sangalo.
A primeira música desse álbum do S&M, Que Fim Levaram Todas as Flores, até fez um sucessinho, mas nada perto do blockbuster dos discos anteriores. Também gosto de Lindeza, delicadinha, e De Mim Para Você que é meio disco music (!!!).

O disco de 1980 é com os irmãos Lempé - gosto de várias (pois é!!!), incluindo Roído de Amor e Sem as Plumas Numas, uma das únicas com os Lempé como co-autores.

Bom, eu ainda poderia falar de um monte de ligações. Como por exemplo a com o Fagner, que fez um compacto com Ney em 1975, hoje pouco conhecido:

Em julho de 1975, também sairia Ave Noturna de Fagner. E nesse mesmo mês, Ney e Fagner foram de carro para se apresentar no Festival de Belo Horizonte. Foi a primeira vez que Ney cantou no palco sem maquiagem e um figurino elaborado - segundo o próprio!
Ney também conta uma história inusitada: na volta de BH Fagner passou uns dias na casa dele no Leblon, Rio, antes de ir embora para SP. E esqueceu uma cueca no quarto de hóspedes! Ela foi lavada, passada e ficou pendurada no quarto de hóspedes como um troféu.

Na minha fantasia:
transaram sim.

ATUALIZAÇÃO com EXTRA em 8/09/19:
Confira o episódio de O Som do Vinil, programa do Canal Brasil, sobre o primeiro álbum do Secos & Molhados!

ATUALIZAÇÃO 25/06/20: Descobri que tem duas pessoas que gostaram bastante desse post. Fico tão feliz quando isso acontece, vocês não tem ideia! O Julio me avisou que a amiga dele, a Monique Dieb, fez uma playlist inspirada nesse texto aqui que você acabou de ler! AH! Tá aqui:

Por que Célia não fez tanto sucesso e não é lembrada como deveria?

Célia morreu aos 70 anos em setembro de 2017. É muito provável que você só tenha ouvido falar mas não se lembre de ter escutado, ou mesmo que nunca tenha escutado essa cantora. É uma pena - corra contra o tempo e comece logo com a estreia, que saiu em 1970.

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Amo essa capa pela sua simplicidade e por ela estar de olhos fechados. Fora que o cabelo é lindo e a maquiagem está ótima! Logo de cara Célia mostra uma voz com um registro mais grave. Os arranjos são de Arthur Verocai, Pocho Pérez, José Briamonte e Rogério Duprat e eu destacaria sua versão de Adeus Batucada, clássico do repertório de Carmen Miranda - com Célia a coisa fica mais introspectiva, quase uma bossa nova, meio jazzy, só que diferente do que faria uma Nara Leão porque em alguns momentos rolam uns rompantes mais poderosos e volumosos. Chic!

O álbum ainda tem outras preciosidades tipo No Clarão da Lua Cheia de Ivan Lins e Ronaldo Monteiro de Souza, bem roqueirinha tropicalista; To Be da Joyce, uma letra que é em português mas usa esse "to be”, melodia gostosinha e interpretação brincalhona; outra de Joyce, Abrace Paul McCartney por Mim, uma balada para provavelmente alguém que foi morar em Londres? kkkk; e ainda a versão belíssima com arranjo de Duprat de Para Lennon e McCartney. Coisa fina.
O álbum seguinte, de 1972, também merece destaque com coisas lindas como Toda Quarta-Feira Depois do Amor e a suingada Vida de Artista, ambas de Sá e Rodrix sem o Guarabyra (aliás, que trio, né, também precisava ser mais lembrado); Na Boca do Sol que chegou a ser sampleada por Ludacris (?!) na música de 2008 Do the Right Thang com participação de Common e, claro, olha o título, Spike Lee; e uma delicada e diferente Detalhes, o clássico de Roberto & Erasmo. Lembra uma coisa meio Ornella Vanoni, meio ensolarada à Riviera Italiana, com um tom mais displicente e empoderado que o desesperado dramático da versão original do Robertão. E ao mesmo tempo tem o mesmo cheio forte dos anos 1970! Confira:

"Mas é só isso, Wakabara?"
Não, não é só isso. Um ano antes de morrer ela estava fazendo isso aqui:

Sim, uma versão boa de Não Existe Amor em SP do Criolo que não é dele. Vem do álbum que ela lançou em 2015, Aquilo que a Gente Diz, que acho tão bom quanto os primeiros dela. Tem Crua do Otto, que ele mesmo lançou em Certa Noite Acordei de Sonhos Intranquilos; Dois Rios do repertório do Skank e do Nando Reis (de autoria dele, Samuel Rosa e Lô Borges); Eu Sou Aquele que Disse do Sergio Sampaio, um momentinho meio Belchior do artista; e Opus 2, aquela do "Você abusou, tirou partido de mim, abusou” do Antonio Carlos & Jocafi cuja versão da Célia não gosto tanto, mais séria e introspectiva, mas sei lá, talvez você goste.

Resumindo: ouça mais Célia. Já que você não ouviu enquanto ela estava viva, ao menos agora. Tem coisas muito muito boas.

Evinha vai voltar e você devia ouvir

É aquilo, né: a gente sempre faz esse tipo de post de "10 discos que me fizeram ser quem sou hoje” e aí percebe "putz, esqueci aquele".

Eu, no caso, esqueci desse:

Evinha é dona de uma das vozes mais maravilhosas e mais injustiçadas da MPB. Ela era integrante do Trio Esperança com os irmãos Mario e Regina - aquele mesmo, do Replay (O Meu Time é a Alegria da Cidade). Acho essa música chiquérrima!

Claro que você conhece.

Bom, Eva saiu do grupo em 1968. Em 1969, ela participaria do 4º Festival Internacional da Canção com Cantiga por Luciana, de Edmundo Souto e Paulinho Tapajós. Ganhou.

Aí no mesmo ano sairia o Eva 2001, com o outro grande sucesso Casaco Marron (Bye Bye Ceci) e Teletema. Acho as duas fofas.

eva-2001.jpg

E essa capa?!

O futuro era negativo

Só que algo aconteceu entre 1969 e 1970 e ela… eletrizou. Sei lá! Olha essa versão de Something do George Harrison:

Depois, em 1971, ainda saía Cartão Postal:

E em 1973 era o ano do disco que eu coloquei lá em cima, o meu preferido! Letras maravilhosas, interpretações finérrimas, instrumental chique, amo tudo - e tem Ben, imagina? Em português! Delícia! Fora outras coisas preciosas como Não vá ficar debaixo das rodas de Sidney Matos e Augusto Magalhães: "Não mergulhe seu rosto nas sarjetas / o que é mais fácil que você pensa" e O que é que eu estou fazendo na rua? do trio Sá, Rodrix & Guarabyra: “O que é que eu estou fazendo na rua / com essas pessoas que mal me conhecem / o que é que eu estou fazendo na rua / olhando letreiros de lojas que já se apagaram?" RELATABLE.

Bom, em 2016 Evinha lançou com Gérard Gambus (que eu entendi que é o seu marido) o disco Uma Voz, Um Piano. Ela tinha ido para Paris nesse meio tempo (afff, tadinha, aguentar aquela cidade chata e suja) e morou lá. Gosto dele mas acho que ficaria ainda melhor se fosse um instrumental mais completão, big band. O importante: Eva continua com a voz absolutamente incrível. Como pode? E o repertório continua cheio de coisas preciosas como Lição de Amor de ninguém menos que Dalto e Fernando Brant, que dupla! "Combinamos muito além de nós / a vida, a estrada / cada um se vai com o que ganhou e guardou / pois tudo valeu mesmo não sendo eterno / foi uma lição de amor.”

A melhor última notícia é que Evinha está gravando um disco só com músicas de Guilherme Arantes com o mesmo Gérard Gambus! Vai ter Cuide-se Bem, vai ter Brincar de Viver, vai ter Deixa Chover, vai ter Um dia, um adeus, vai ter Amanhã - a música que já me fez chorar umas 5 vezes! E com a voz da Evinha, que benção!

Amigos, prestigiem o que é bom. Ouçam mais Evinha.
E que esse disco saia logo!

evinha.jpg

ATUALIZAÇÃO 25/10/2019: SAIIIIIUUUU!!!

Gostei bastante, em especial de músicas mais desconhecidas de Guilherme Arantes como A Cidade e a Neblina. Mas Evinha também arrasa em Pedacinhos e outras! Ai, que amor de disco!