Terra à Deriva é igual mas é diferente

Terra à Deriva é um filme chinês que já conquistou uma das maiores bilheterias do ano. Não é pouco num ano que teve Vingadores: Ultimato, O Rei Leão e Toy Story 4. Mas acontece que Terra à Deriva é chinês - você prestou atenção na primeira frase? E já está disponível na Netflix. Você já viu? E por que será que ele conquistou tanto público?

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A estrutura de fato é meio parecida com qualquer filme blockbuster catástrofe. Só que tem umas diferenças sim. Vamos a elas?

Não, não vamos deixar a Terra

A primeira, que na verdade meu marido que me chamou a atenção, é que geralmente a solução colocada para cenários catastróficos que envolvem um apocalipse terrestre indicam a nossa saída do planeta para colonizar outro. Aqui a premissa é diferente, bem pouco convincente no que diz respeito à ciência mas que funciona no roteiro: a ideia é mover a Terra para outro sistema solar (!) com motores ultrapotentes distribuídos pelo globo (?!) e a população restante morando em cidades embaixo da Terra (???), portanto protegidas do clima que é obviamente congelante. O motivo: o sol está um pouquinho revoltado e vai explodir.
Como eu já disse, devem existir cerca de duzentos mil furos científicos na trama. Mas juro que funciona em termos de entretenimento.

Nossa, o foco NÃO é Nova York! O foco não é os EUA! Que milagre!

A invasão alienígena sempre vai começar pelos EUA. Pelo menos é o que os filmes de Hollywood nos levam a crer. Mas aqui a coisa está um pouco diferente: o filme se passa na China; as cidades envolvidas são chinesas; as referências da cidade subterrânea são chinesas. Isso dá uma cara diferente para o longa, sem deixar de lado o capricho em efeitos visuais e direção de arte.

Liu Peiqiang (Jing Wu) na estação espacial

Liu Peiqiang (Jing Wu) na estação espacial

Um elenco majoritariamente asiático

Um russo, um mestiço meio chinês meio australiano. O resto é tudo chinês! Ao mesmo tempo, o filme dá uma sensação de realidade global ao citar e mostrar ações de outras nações, e incluir outras línguas no roteiro. Mas não tem jeito: talvez a sensibilidade de uma audiência branca não perceba o quanto isso muda tudo para asiáticos. É um filme de ação, de ficção científica e um blockbuster com pessoas asiáticas - coisa que é muito difícil de chegar no ocidente. E é bem diferente de Podres de Ricos.

Gosto bastante de Podres de Ricos, mas ele é um filme mais para sino-americano do que asiático mesmo. E o fato da história do romance ser protagonizada por asiáticos é inerente a ela - coisas acontecem que não aconteceriam se os protagonistas fossem brancos. Não é o caso de Terra à Deriva: podia ser nos EUA, podia ser com um elenco branco ou multiétnico, não faria diferença para a trama fora a substituição de nomes e locais. Mas é na China, é com chineses.

Liu Qi (Chuxiao Qu), o galã do longa

Liu Qi (Chuxiao Qu), o galã do longa

Muitos momentos-chave

Normalmente filmes assim têm um ou dois ápices muito tensos no roteiro de "será que vai rolar?” - eles acontecem quase no fim e pronto, acabou-se. Terra à Deriva tem mais de duas horas de filme e isso se justifica pelo roteiro montanha russa: são diversos ápices tensos, alguns plot twists que se distribuem ao longo do filme, e não existe economia em mortes chocantes, quase tipo Game of Thrones.

Ou seja: é perfeito? Não. Mas é bom sim, pelo menos eu achei, pode colocar na sua listinha!

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Outras culturas, outras famílias

Fiquei um tempo com crise de sinusite e isso me deixou de cama. Assim, consegui também ver algumas coisas que já estava para assistir faz um tempo e até agora não tinha rolado. O interessante é que essas 3 coisas de certa forma mostram famílias diferentes do padrão papai-mamãe-filhinho, e também mostram culturas diferentes do típico ocidental com base norte-americana que nos acostumamos a ver retratado em ficção. Achei as 3 bacanas, então decidi dividir com vocês.

Minhas Famílias

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O cineasta chinês Hao Wu foi estudar nos EUA. Ele é gay, encontrou um marido no país e agora que vai ter dois filhos (!) ele decide encarar a família chinesa que evitou tanto depois de sair do armário. Choque cultural total, claro; não tem como não se emocionar com as tentativas dos pais deles em serem empáticos mesmo sem entender a sexualidade do filho. A mãe de Wu, uma pessoa de uma realidade que a gente nem consegue imaginar direito, parece mais resistente com o fato do filho querer ter filhos do que com a própria homossexualidade dele. Outra coisa que chama a atenção é a questão da aparência de normalidade, que me parece algo bem asiático no geral. Daqueles filmes que te deixam pensando - não existem soluções fáceis.

Um de Nós

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A gente acompanha as histórias paralelas de 3 membros da comunidade de judeus hassídicos que tentam sair dela. Ultrafechada, a comunidade formada por judeus ortodoxos não aceita "desistentes". Nesse sentido, lembra um culto e é assustadora, abusiva, até perigosa. São 3 histórias bem diferentes: uma envolve uma mãe que quer se separar e vê a guarda de seus filhos ameaçada; outra traz um jovem com problemas com drogas que acaba internado em uma clínica de reabilitação; e outra ainda é sobre um homem que vive isolado numa pindaíba, num trailer, tentando a sorte como ator. Contei assim para não dar muito spoiler, tá? E fiquei bem curioso para saber mais coisa sobre o judaísmo ultraortodoxo. Se alguém souber de mais documentários bons, me conta aí!

One Day at a Time

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Old but gold - a série foi cancelada pela Netflix mas agora parece que um canal pequeno, o Pop TV, vai trazê-la de volta, quem diria? Talvez a quarta temporada não fique disponível na Netflix, pelo menos não tão cedo, mas dá um quentinho no coração saber que essa história continua. Trata-se de uma família de origem cubana e cidadania americana que fala justamente sobre esse e outros assuntos nessa nova realidade de Donald Trump. E são vários bônus: mãe divorciada; filha lésbica; amigo-agregado alcoólatra… Por aí vai. Só que como é uma comédia, daquelas comédias familiares de menos de meia hora cada episódio, esses assuntos são tratados com seriedade porém certa leveza. Eu me acabo de chorar, amo tanto que fiquei enrolando para não terminar rápido. Terminei na sinusite. Agora o jeito é aguardar pela próxima temporada ficar disponível, né?