Glória Pires, a cantora

É isso mesmo. Aquela Glória Pires.

gloria-pires.gif

Muita gente acha que, mesmo tendo pai e padrasto cantores, Cléo Pires (ou agora somente Cleo, que é como ela assina) não pode ser cantora porque 1. começou atriz 2. "ela é atriz, é filha da Glória Pires, olha como ela é atriz!".

Mas eis que venho mostrar uma coisinha para vocês. A Glória Pires cantora.

Glória gravou essa música para a trilha sonora da novela das seis As Três Marias (1980-81), baseada no romance de Rachel de Queiroz. Ela interpretou uma das Marias do título (as outras eram Nádia Lippi e Maitê Proença).
E o detalhe: Coração é composta por Fábio Jr., o pai da Cleo, junto com Heraldo Corrêa.
O próprio Fábio gravou Coração depois, em 1985. Mais especificamente dois anos depois de se separar de Glória…

DIZEM que entre 1983 e 1984, Glória teria tido um caso com Djavan. Ele já negou isso em entrevista para a Playboy. Mas olhem esse vídeo…

Muito atriz, mesmo, né? Uau. Convenceu.
Ou Glória tem um tipo: músicos.

Bom, esse compacto de Coração que saiu em 1980 tinha outra música do lado B. Era O Véu Desse Céu (está no primeiro vídeo lá em cima). E foi assim que eu descobri essa faceta de Glória, na verdade: O Véu Desse Céu é composta pelo argentino Tony Osanah com as uruguaias… Brenda e Reina! Lembra que eu falei da Brenda recentemente? Pois é!
O Véu Desse Céu é divertida, meio Guilherme Arantes.

Esse compacto não é o único registro fonográfico de Glória. Tem esse aqui também:

Sim, uma música com Oswaldo Montenegro!
Drops de Hortelã, de autoria dele, faz parte do musical Léo e Bia, que foi montado pela primeira vez em 1984.
Oswaldo gravou versão solo em 1990.

A montagem original, que eu saiba, foi com Isabela Garcia. O que Glória Pires faz aqui, nessa gravação de 1985? Eu não sei. Risos! Só sei que o filme Léo e Bia, que saiu em 2010, tem a voz de Glória em Éter no Cristal.

Antes, no mesmo ano de 1985, Glória gravou outra música de Oswaldo Montenegro para o disco dele Aldeia dos Ventos. Curiosamente, o nome da música é O País das Atrizes.

Acho essa letra a mais fraca de todas essas que mostrei, mas uma coisa fica clara pra mim: Glória Pires canta, sim.

Ah, e só para constar: artista de TV cantando, lançando disco, era uma prática comum. Tem o caso da Elizângela, por exemplo, e da Zezé Motta.

E tem esse também, que eu amo:

Da trilha de Saramandaia (1976). TUDO.

A disco music brasileira

Gosto muito de disco music, mas se for brasileira é ainda melhor. Acho que foi lá no começo dos anos 2000 que comecei a gostar mais - tinha uma festa chamada Ressucita-me que eu e meus amigos frequentávamos e ela costumava tocar esse tipo de coisa.
Mas se nos EUA e em outros lugares do mundo a disco music teve um viés libertário para os gays e para os negros, aqui a música nesse estilo em português e produzida no Brasil não chegava nisso. Era capitali$mo mesmo, tudo orquestrado por homens brancos tipo Carlos Imperial e Mister Sam. Paciência - pelo menos vejo uma sexualidade mais livre em Gretchen, Ronaldo Resedá e Sarah Regina, uma negritude glamourosa em Lady Zu, uma saída do eixo do Sudeste com Miss Lene.
Abaixo coloquei algumas das minhas disco songs preferidas em português. Você tem alguma que acha mara e não está aqui? Me avisa, talvez eu não conheça!
A gente se encontra na pista!

#1: A Noite Vai Chegar (1977) - Lady Zu

"Meu pensamento está tão longe"… Um clássico: ouvi demais um disco que foi relançado em formato CD e tinha esse mega hit. A voz chiquérrima de Zuleide (o nome verdadeiro dela) merecia ser mais reverenciada. Ela tentou retomar a carreira na década de 2000 mas não chegou a fazer o sucesso retumbante da década de 1970.

#2: Amor Bandido (1979): Sarah Regina

Sarah foi a finalista de um concurso do Show de Calouros do Silvio Santos mais ou menos nessa época. Depois de tentar mais um tanto a carreira de cantora, acabou indo para a dublagem, jingles e backing vocals. Mas antes, em 1981, lançaria o disco Felina, que teria entre outras coisas… uma versão de Can't Take my Eyes Off of You que é bem, hum, instigante! Chama-se Tenho Sede. Hehehehehe! Gosto de Amor Bandido e de outras das músicas que estão nessa lista especialmente por causa das letras, são populares e divertidas!

#3: Cara de Pau (1978) - Ana e Ângela

Ana na verdade chamava Áurea e já tinha uma carreira atrelada ao estilo da Jovem Guarda. Gravou, por exemplo, uma versão de Goodbye do Paul McCartney em 1969. E Ângela, na verdade Ângela Márcia, é a mulher de Sérgio Reis! Essa música fez parte da trilha da novela Te Contei? da Globo. Falando nela…

#4: Te Contei? (1978) - Sônia Burnier

Nem tão disco, deliciosamente pop: a música de Rita Lee e Roberto de Carvalho foi para a abertura da novela cantada por Sônia Burnier. Se o nome não é estranho para você, existe um motivo: ela é irmã de Otávio Burnier, que formava a dupla Burnier e Cartier. Eu ADORO o álbum deles de 1974. Junto com eles, Sonia gravou a trilha sonora do Sítio do Picapau Amarelo - eles cantavam a música da Jabuticaba e a do Saci. Tanto Tavynho quanto Sonia eram sobrinhos de Luiz Bonfá. Participaram de gravações com ele. Minha opinião: Sonia era mais do jazz do que do pop e Te Contei? foi uma diversão passageira.

#5: Pertinho de Você (1978) - Elizângela

O produtor Hugo Bellard misturou a batida que ele ouviu num disco do jamaico Jesse Green (talvez de Nice and Slow? Parece) com o estilo de cantoras tipo Tina Charles (de ultrasucessos como I Love to Love). Virou uma brincadeira com a atriz Elizângela, sem grandes pretensões… mas que vendeu 20.000 de compacto (single) por semana no Brasil. 54 semanas nas paradas de sucesso da época. E é uma delicinha mesmo - a banda Capim com Mel gravou já nos anos 2000 em ritmo de forró e virou sucesso de novo!

#6: Quem é Ele? (1978) - Miss Lene

Miss Lene é a cearense Frankislene Ribeiro Freitas. Adoro essa e Deixa a Música Tocar, da mesma época. Depois ela gravaria Vivendo com Medo em 1980 - a música tema é de Guilherme Arantes, e o disco ainda trazia uma versão de uma balada bem linda de Kate Bush, O Homem. A voz de Miss Lene é bem potente. É engraçado que, dessa turma, a que tinha menos voz foi a que seguiu carreira com altos e baixos, mas vários altos, até hoje. A gente chega nela daqui a pouco, mas acho que você sabe de quem eu estou falando…

#7: Acenda o Farol (1978) - Tim Maia

Um pouco depois do período Cultura Racional - e da desilusão com a religião do Universo em Desencanto - Tim Maia caiu no hedonismo da discoteca em Tim Maia Disco Club. Acenda o Farol é a segunda faixa do álbum, arranjos de Tim com arranjos de metais e cordas de Lincoln Olivetti - ele também tocou piano elétrico, órgão e sintetizador. Conta com a Banda Black Rio na cozinha. Amo!

#8: Bem-me-quer (1980) - Rita Lee

A partir do encontro com Roberto de Carvalho e depois de ser presa por porte de maconha, Rita Lee passou por uma reinvenção. Da roqueira que os pais não queriam que os filhos ouvissem, ela se transformou na cantora das baladas que a família inteira ouvia junto. Bem-me-quer, que é quase uma disco music e está no álbum de 1980 que abre com Lança Perfume (outra "quase disco music, quase marchinha de carnaval"), tem um solinho de guitarra maravilha no começo. E Gal Costa também canta!

#9: Felicidade (Margarida) (1980) - Harmony Cats

Esse clipe não-oficial deve ter sido feito por um fã. Acho que Margarida é da primeira formação do Harmony Cats, se não me engano, com Cidinha, Rita Kfouri, Juanita, Maria Amélia e Vivian Costa Manso. A ideia foi de Helio Costa Manso: juntou a irmã Maria Amélia, a mulher Vivian e mais 3 cantoras e fez uns medleys de sucessos em ritmo dançante. Tanto Maria Amélia quanto Vivian também fizeram parte da mítica banda Sunday do Helio (também produtor, já foi da RGE e Som Livre), que gravou pencas de covers dos anos 1970 para frente. Teve um set da época que eu era DJ e tocava com a Talita Denardi que a gente começou, se não me engano, com Felicidade. Esse começo é irresistível!

#10: Sábado que Vem (1978) - Brenda

Nunca encontrei uma informação sobre a Brenda, mas certamente ela é gringa. Ou está forçando um sotaque engraçado. Só sei que foi produzida por Roberto Livi - a gente já falou dele aqui, o argentino por trás da invenção da origem cigana de Sidney Magal. Mas a música é absolutamente maravilhosa, ouço desde pequeno num disco que era de uma das minhas irmãs de coletânea de sucessos. Ficava chocado com a descrição do look: “Eu vou vestir meu camisão estampado / a calça jeans de boca apertada / uma sandália de salto fino / e no cinto uma bolsinha amarrada”. Se eu fosse estilista, fazia uma coleção inspirada nessa música.

#11: Marrom Glacê (1979) - Ronaldo Resedá

O Kid Discoteca: o bailarino carioca era também ator e, em 1976, se lançou como cantor em um espetáculo no lendário Teatro Opinião, do Rio. Depois de participar de algumas trilha sonoras gravou um disco, no qual essa música aparecia (e que trazia Ronaldo de smoking branco já na capa). O power trio Guto Graça Mello, Mariozinho Rocha e Renato Correa compuseram Marrom Glacê, que também virou tema de novela.

#12: Dance With Me (1979) - Gretchen

Aí vem ela: antes de Freak Le Boom Boom, do Melô do Piripipi e de Conga Conga Conga, Grechen surgiu com Dance With Me. Foi um estouro. Ela era sexy mas agradava crianças, não tinha voz mas tinha carisma e um corpão. Resultado: virou uma das celebridades mais célebres do Brasil. Talvez a mais famosa de toda essa lista de músicas. Talvez mais que Rita Lee - é possível que algum brasileiro saiba quem é Gretchen e não saiba quem é Rita Lee, não é? Escolhi essa música porque no fim ficou a menos conhecida, mas as outras são igualmente incríveis.

#13: Dancing Days (1978) - Frenéticas

Clássicos são clássicos: Leiloca (hoje astróloga dos famosos), Sandra Pêra (a atriz irmã de Marília), Dhu Moraes (até hoje atriz da Globo, antes foi do musical Hair, depois trabalhou muito com Chico Anysio e foi a Tia Nastácia da versão de 2001 de Sítio do Picapau Amarelo), Lidoka (que virou empresária), Regina Chaves (foi casada com Chico Anysio e também trabalhou bastante com ele) e Edyr de Castro (então mulher de Zé Rodrix, também foi do Hair e também era atriz) eram as Frenéticas, maior símbolo da disco music brasileira. Sandra é a chave de tudo - ela que chamou a maioria das integrantes para trabalhar na boate Frenetic Dancing Days por meio do seu então cunhado Nelson Motta. Surgiam as Frenéticas, que eram garçonetes e num certo momento da noite subiam no palco para cantar - o nome vem da boate! Pois é, chora Johnny Rockets. Esse maior hit delas continua sendo música obrigatória em ocasiões tipo festa de formatura, aniversário de quinze anos, festa de casamento…

#14: Não Existe Pecado Ao Sul do Equador (1978) - Ney Matogrosso

Ney Matogrosso transforma a música de Chico Buarque composta em 1973 para o musical Calabar: o Elogio da Traição em uma disco music deliciosa. A peça foi proibida pelo regime militar e só seria liberada 7 anos mais tarde. Mas Chico já tinha gravado a canção no seu álbum de 1973, Chico Canta, que foi megacensurado. Essa versão de Ney, que acabou virando uma versão definitiva, entrou na trilha da novela Pecado Rasgado. O título vem de um trecho da música que surgiu por causa da censura: o verso "Vamos fazer um pecado safado debaixo do meu cobertor” virou “Vamos fazer um pecado rasgado, suado, a todo vapor".

#15: Sublime (2018) - Gal Costa

Diva é diva: Gal Costa voltou à disco em pleno 2018. Ela já tinha dado umas misturas de disco music com outras coisas nos seus hits mais dançantes entre o fim dos anos 1970 e começo dos 1980 (será que Balancê é uma marchinha disco?), mas Sublime, que chegou nela como um samba, foi transformado em disco total. E virou uma das minhas músicas preferidas da Gal - o que não é pouco, existem muitas! Hehehehe

Dance como Sônia Braga!

Dance como Sônia Braga!

Ela era uma estrela cult e não sabia

Melhor que estar grávida e não saber até ter o filho, né?

Mas de qualquer forma, a história é digna de um programa do TLC.
Sukla Biswas é essa mulher da foto da capa desse disco:

Rupa-Disco-Jazz.jpg

Essa capa é a típica capa de um disco que eu veria numa feirinha e diria "EU PRECISO TER ESSE DISCOOOO", alguém falaria: "Mas você conhece essa Rupa?” e eu diria "NÃO IMPORTAAAAA!!!"
Acontece que isso seria um pouco complicado pois um vinil original desse custa hoje em dia, sei lá, uns R$ 2.000?

Sukla nasceu em Bengala Ocidental na Índia - seu apelido em casa era Rupa. Ela viajou com a família para o Canadá, se apresentou na casa de um parente e o povo gostou. Aí ela fez um showzinho na University of Calgary, tinha bastante gente na plateia incluindo um ganhador de Grammy, o Aashish Khan, e seu irmão Pranesh. Os irmãos Khan acabaram combinando com o irmão de Rupa, Tilak, que iam gravar um disco com ela. As letras foram feitas pela Firoza, mulher do Aashish, e nessa foto acima foi a primeira vez que ela viu um microfone sem fio e que usou roupas ocidentais.
O disco foi lançado mas, ao que tudo indica, muito mal divulgado. A própria Rupa diz que a canção de Nazia Hassan Aap Jaisa Koi eclipsou as suas. Não faz muito sentido - Aap Jaisa Koi foi lançada em 1980; Disco Jazz saiu em 1982.
Porém precisamos concordar em uma coisa: Aap Jaisa Koi é muito boa mesmo!

Dê o play e tente não dar uma balançadinha!

Alguns anos depois Rupa casou, teve um filho (Debayan) e foi viver a vida.
Em 2012, o filme Miss Lovely usou o álbum Disco Jazz como trilha. Não assisti, mas parece ser babado! No trailer a música não aparece, então vamos ter que acreditar nos relatos do povo.

O mais esquisito: Rupa não tomou conhecimento disso! O filme parece meio artsy mesmo e não deve ter bombado como os mais comerciais de Bollywood.
Aí o filho Debayan buscou o disco online e… descobriu que um monte de gente era fã. Disco Jazz se transformou num cult, e um dos seus maiores entusiastas é o Caribou!

Hoje, que bom, não precisamos ter toda essa grana para ouvir Disco Jazz - ele foi relançado por uma gravadora americana e consequentemente está no Spotify.
E Rupa? Olha ela aí:

rupa-hoje.jpg
I don’t care about the money. I’m just happy that people like my music. Boys, girls, everyone is dancing so much. That’s what makes me happy.
— Rupa em entrevista para o The Guardian

Amei demais. E se você gostou desse som, talvez também goste de uma das minhas músicas preferidas da vida:

Som na caixa, DJ! Se alguém souber o paradeiro da Brenda, por favor conta, vamos fazer um revival dela também! <3
Long life to disco!