Sim, o baile do Met seria hoje - e o feitiço do novo tempo

O Baile do Met é (era?) o pão e circo enquanto a arena da vida real pegava fogo. O escapismo encantado dos looks das celebridades ricas & famosas nos entretia e fazia a gente esquecer a vida real mesmo que por algumas horas. Não sei se era um escapismo exatamente saudável (existe escapismo saudável? quem decide o que é saudável e o que não é?), mas putz, a gente se divertia. Para os caretas de lookinho de madrinha de casamento a gente dizia "blé"; quem surpreendia e ainda conseguia seguir o tema da exposição de moda do Metropolitan recebia aplausos. Mas se a pessoa só surpreendia sem seguir o tema já estava tudo bem!

Cardi B no baile do Met de 2019: esse Thom Browne contava com 44 quilates de rubi no colo e peito. O tema era camp!

Cardi B no baile do Met de 2019: esse Thom Browne contava com 44 quilates de rubi no colo e peito. O tema era camp!

Para quem não sabe - alguém não sabe? - a primeira segunda-feira de maio é a data tradicional do baile do Met. Ele serve para arrecadar dinheiro para o Metropolitan Museum de NY e também para divulgar a grande exposição anual de moda, que recebe chancela da Vogue América (ou seja, de Anna Wintour, sempre uma das anfitriãs e a pessoa que tem a palavra final sobre em qual mesa cada pessoa deve sentar no jantar e por aí vai). Uma boa para entender melhor é o documentário The First Monday in May de 2016 (infelizmente não tem em streaming disponível no Brasil, você vai ter que utilizar de… outros meios).

Cena do The First Monday in May (2016)

Cena do The First Monday in May (2016)

Outra referência, essa disponível na HBO Go, é o Oito Mulheres e um Segredo - para quem ainda não assistiu, essa bobagem deliciosa traz um grupo de mulheres planejando um roubo em pleno baile do Met. E teve cenas gravadas in loco! Ou seja, vale por um tapete vermelho. E um com direito a Rihanna, Cate Blanchett, Sandra Bullock, Awkwafina, Sarah Paulson, Anne Hathaway, Mindy Kaling e Helena Bonham Carter!

Um colar de US$ 150 milhões em Oito Mulheres e um Segredo

Um colar de US$ 150 milhões em Oito Mulheres e um Segredo

O baile do Met era (é?) precioso para a indústria da moda, entre outros motivos, porque era um momento de tapete vermelho em que a roupa era tão importante quanto as celebridades. Se o movimento #askhermore reprimiu as perguntas a respeito do look das atrizes nas premiações de cinema e música, no baile do Met isso é (era?) o foco. Qual estilista você escolheu? Por quê? Você ajudou no processo do look? Ah, é um vintage? E os repórteres kept on asking more - sobre o vestido. No Oscar às vezes o entrevistador nem pergunta a marca do look, mas aqui isso era (é?) informação essencial.

E aí veio a pandemia.
A exposição, que se chama - quenda - About Time: Fashion and Duration, foi postergada para 29/10. O baile do Met pode (deve?) acontecer em outra data, talvez no próprio dia 29 ou um dia antes. Mas existe espaço para um baile do Met nessa nova realidade? Ou existirá, daqui um tempo?
Depois de guerras, a extravagância e ostentação são historicamente estimuladas - é preciso movimentar a economia novamente. Só que no século passado o aquecimento global não era uma pauta cotidiana, e existia um sentimento de vitória a ser enaltecido (coisa que, desconfio, não vai acontecer pós-pandemia até onde a gente sabe; o número de mortos definitivamente não vai significar vitória).

A capa da Vogue Brasil de maio de 2020 vem sendo bem criticada:

O novo normal da maioria das pessoas realmente não é esse. Talvez o da Gisele Bündchen seja?
Tirar a maquiagem em uma foto de estúdio, para citar um filme que popularizou ainda mais a Vogue (aquele, O Diabo Veste Prada, lembra?), não chega a ser… groundbreaking.
O novo normal é outro, e o novo normal em outubro talvez seja ainda outro. É difícil prever.
A revista brasileira foi acusada de insensível e descolada da realidade - basicamente o velho normal em matéria de acusações para a Vogue Brasil. Isso vem na esteira de outras problemáticas (leia-se: acusações de racismo). Dizem que o povo não tem memória - realmente não tem, mas faz pouco tempo demais, e a memória para críticas negativas é bem maior do que a para elogios, honras e méritos. A Vogue, como uma das maiores representantes de um mundo elitista e de um mercado de luxo, toma pau a qualquer passo em falso por ela e por todos os outros.

E convenhamos, a capa da Vogue América de maio não é tão melhor.

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Insensível por insensível, essa nem sabe do que está acontecendo…

E é instigante que o tema da exposição (e consequentemente da revista) seja o tempo.
Relacionado com a moda, que é cíclica e corre atrás do novo o tempo todo.
E dando de cara com um "novo normal” no qual é preciso tempo para saber das coisas. O tempo que a quarentena vai durar. A paciência para achatar a curva. O tempo do luto. O tempo que era cada vez mais frenético no sentido da produção e do volume e que agora é suspenso.

Vai pintar nostalgia, viu? Mais forte que nunca.
A pergunta é: nostalgia de que e para quem?

(Hoje e amanhã entram no ar uma série de vídeos da Vogue América relacionada ao baile do Met - veja o lineup, que inclui a própria Anna Wintour, Naomi Campbell, Cardi B, Jeremy Scott, Stella McCartney e Liv Tyler aqui).

Qui êtes-vous, Celine Dion?

Você viu a capa da Harper's Bazaar US de setembro com Celine Dion?

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A cantora está bela, fotografada por Mario Sorrenti com styling da diretora global Carine Roitfeld. A capa faz parte da edição Icons, que se espalha pelo mundo - todas as Bazaar, inclusive a do Brasil, usam da temática nesse mês. Tem Alek Wek, Kate Moss, Awkwafina, Alicia Keys… Mas achei essa a mais bonita mesmo, não só pelo clique como pela referência. Você conhece o filme Qui êtes-vous, Polly Maggoo?

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Eu simplesmente AMO esse filme. Ele foca na modelo Polly Maggoo (Dorothy McGowan) e faz uma sátira ácida ao mundo da moda. Após apenas dois anos do lançamento de Courrèges de primavera-verão 1964, que fez com que o estilista ficasse conhecido como o criador da era espacial, o diretor William Klein armou essa comédia que chega a ter ares existenciais. E um desfile feito com… peças de alumínio?!

Acho Qui êtes-vous, Polly Maggoo? sensacional, com uma pegada narrativa diferentona e um atrevimento. Tem participação das modelos Peggy Moffitt e Donyale Luna, duas das musas da época.

Peggy & Donyale

Peggy & Donyale

E acima de tudo o longa tem um bom humor perante a moda que às vezes acho que nos falta - a gente se leva muito à sério, a leveza às vezes faz parte. Celine Dion também sabe disso - seu jeito de encarar a moda, faz um tempo, é com humor. Relembre então o vídeo que ela fez com a Vogue América, bem nessa pegada:

Live, work, POSE!

A Netflix anunciou recentemente que Pose, a série, está chegando sim no seu catálogo BR! E a gente está como?

You go, Elektra!

You go, Elektra!

Isso porque Pose, que passou originalmente no canal FX americano, é uma das séries mais empolgantes que vi ultimamente. Ela já merece reconhecimento por ser a primeira a ter um elenco majoritariamente trans - e não é uma atriz ou um ator cis interpretando mulheres trans, e sim atrizes trans!

Além disso, Janet Mock, mulher trans, é diretora e roteirista de 3 episódios da primeira temporada. Janet é ativista, fodérrima, vale a pena acompanhar.

Além de tudo isso, Pose traz uma versão ficcional de uma parte importante da história queer. Explico: a trama se passa na NY do fim dos anos 1980, focando na subcultura dos bailes de voguing. Sabe a música Vogue da Madonna? Então, ela chupou dessa cena - e dá-lhe polêmica, pois muita gente a acusa de ter se apropriado disso sem dar nada de volta para essa galera, que era (e é) um pessoal marginalizado, queers latinos e afro-americanos.
Para referência, assista Paris is Burning (que tem na Netflix e é um doc justamente sobre essa cena de voguing) e Strike a Pose (que também tem na Netflix e traz os bailarinos da turnê Blond Ambition e do filme Na Cama com Madonna - o que aconteceu com eles depois desses dois momentos históricos do pop? Alguns saíram justamente dos bailes).
Também tenho um livro que é muito legal e vale a pena para quem se interessa: Voguing and the House Ballroom Scene of New York, 1989-92, cheio de fotos e entrevistas com figuras centrais.

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Puta livro!

Daqueles que você não resiste e depois não se arrepende de ter comprado!

A cena do voguing é superimportante porque funciona como ferramenta empoderadora para essa turma que se vê excluída da sociedade: ali, eles podem performar o que quiserem. A mulher de negócios. O macho alfa. O glamour das passarelas. À americana, trata-se de uma competição; mas também parece uma válvula de escape frente aos problemas reais, e um treino para encarar e lutar contra o desrespeito e o abuso de cabeça erguida.
Outro fator chave que também é abordado por Pose: também é nessa época que cresce a epidemia da Aids.

Madonna falou de voguing na Blond Ambition mas chegaria um pouco atrasada no segundo assunto, só na turnê seguinte, Girlie Show, baseada no álbum Erotica e no embalo do livro Sex. Era a música In this Life, que dizem que é sobre dois amigos dela, Martin Burgoyne e Christopher Flynn, ambos vítimas.
Mas precisamos ser justos - Madonna já se envolvia com a causa sim, antes do lançamento de Erotica em 1992. O vídeo abaixo é de 1989:

Ela também tinha outros amigos que morreram vítimas da Aids, como o artista Keith Haring em 1990, antes da música ser lançada.

Enough of Madonna, pois esse post é sobre Pose, certo?

Acho que já deu para perceber quem é a minha preferida, né?

Acho que já deu para perceber quem é a minha preferida, né?

Essa cena do gif acima é do primeiro episódio da primeira temporada, no qual a House of Abundance invade a exposição de moda do Met (sim, o Metropolitan Museum, aquele do baile do camp, mas na época que o Met Gala não virava assunto do Twitter e do Story do Instagram porque não existiam essas duas coisas). Eles invadem a exposição para roubar looks (!) para desfilar no baile de voguing (!!) e não se abalam quando vão presos (!!!).

E você achando que fazia sacrifícios pela moda, né?

A verdade é que, além desses momentinhos maravilhosos, Pose é muito tocante com essa relação de novas famílias e laços se formando entre os que foram rejeitados pelos seus - chorei em praticamente todos episódios. Claro que conta muito o fato de me identificar com o preconceito contra LGBTQ, mas a história é bem contada mesmo.

Em junho, a série que é uma criação de Ryan Murphy (o mesmo de American Horror Story e Glee) estreia sua segunda temporada lá fora. QUEREMOS.

Estou no aguardo!

Estou no aguardo!

Ah, e sabe quem está no elenco da série e homenageou uma pessoa chave da cena voguing no último Oscar? Sim, eu disse OSCAR.

Billy Porter, você é tudo, obrigado por existir.

Se você criasse uma house para um baile de voguing, como ela chamaria?
A minha seria a HOUSE OF CLODOVIL.
Agora olha para a lente da verdade e me diz…
POSE!

Joy is a choice! Já estou chorando de novo.