Brat Pack parte 10: os herdeiros

Quem diria que chegaríamos ao fim dessa saga?
Esse post é o fim de uma série de 10 sobre o Brat Pack, um grupo de jovens de Hollywood que recebeu esse apelido na década de 1980 e que hoje a gente liga bastante ao surgimento de vários filmes que davam voz aos adolescentes e jovens adultos de maneira menos caricatural, aproveitando esse nicho de mercado na época. Costuma-se dizer que foi quando o adolescente foi visto sob a sua própria ótica.
Para você que chegou agora, sugiro que leia os posts anteriores antes de seguir nesse! Pode ser? Para facilitar sua vida, segue a lista:

. O que é o Brat Pack, de onde surgiu o nome, quem são eles?! São tantas as questões…
. Um nome muito importante nas origens do Brat Pack, antes ainda dessa nomenclatura aparecer: S. E. Hinton
. A trindade de um dos núcleos centrais do Brat Pack: Molly Ringwald, Anthony Michael Hall e John Hughes
. He-he-he-he… uuuuuuuuuuuuh-oooooh: o clássico Clube dos Cinco
. O Brat Pack também tem um filme ruim: O Primeiro Ano do Resto de Nossas Vidas
.
O galã do grupo e um escândalo envolvendo sex tape com menor de idade: Rob Lowe
. O outro clássico: Curtindo a Vida Adoidado
. O último filme do Brat Pack: Digam O Que Quiserem
. A trilha sonora: música é muito importante nos filmes do Brat Pack! Ouça algumas delas!

A gente poderia ter incluído mais filmes entre os que a gente colocou aqui? Poderia sim: tem, por exemplo, O Rei da Paquera (1987) com Ringwald e Robert Downey Jr (é ruinzinho). Ou o ótimo Atração Mortal (1988) com Winona Ryder e Christian Slater (que já traz uma outra turma e tem um tom mais macabro; acho que um dia faço um post sobre ele fora desse contexto brat packer). Ou ainda Conta Comigo (1986) com River Phoenix e Corey Feldman (que está mais para infanto-juvenil do que adolescente e é da leva "filmes inspirados em livros do Stephen King”). E também De Volta Para o Futuro (1985) com Michael J. Fox (falei sobre a sequência, que completou 30 anos, também fora desse contexto brat packer). Ou todos os filmes de terror adolescente dessa época (que para mim são outra categoria e se ligam ao Brat Pack de maneira muito tênue, basicamente só porque eram dirigidos para o mesmo público).
Mas é a vida: achei que esse recorte que usei até incluiu coisas que normalmente não são consideradas do Brat Pack (como Curtindo a Vida Adoidado, Os Garotos Perdidos, Picardias Juvenis e outros). A gente pode ir falando de um ou outro que ficou de fora por aí, pela vida, por 2020, né?

Agora chegou a hora de falar sobre os herdeiros de toda essa filmografia. Se os filmes, diretores, roteiristas e atores foram tão influentes, quem eles influenciaram?

Vou começar pelos que seriam primos distantes de O Primeiro Ano do Resto de Nossas Vidas e Sobre Ontem à Noite. A gente já sabe que esses longas se referem àquela fase que você está recém-formado, prestes a dominar o mundo mas… descobre que o mundo é quem te domina (uau, falei bonito, hein?). Existem dois filmes que seguem essa linha "jovem adulta” logo no começo dos anos 1990. São eles: Vida de Solteiro (1992) e Caindo na Real (1994).

Campbell Scott, Kyra Sedgwick, Matt Dillon, Sheila Kelley, Bridget Fonda e Jim True-Frost, os atores de Vida de Solteiro

Campbell Scott, Kyra Sedgwick, Matt Dillon, Sheila Kelley, Bridget Fonda e Jim True-Frost, os atores de Vida de Solteiro

Aliás, Vida de Solteiro traz Matt Dillon, marcado pelo comecinho do Brat Pack, lembra? Além dele, outro membro-satélite do Brat Pack, Eric Stoltz, aparece no filme como o mímico. E adivinha quem é o diretor e roteirista?
Ninguém menos que Cameron Crowe!
Crowe já havia escrito uma primeira versão do script lá em 1984, e ela se passava em Phoenix, no Arizona. Ele estava reescrevendo-o quando recebeu a notícia da morte por overdose do músico Andrew Wood em 1990, e contou para a Rolling Stone em artigo em primeira pessoa que decidiu passar para o seu roteiro aquilo que ele sentiu em Seattle, algo do que fazia parte: a cena. Não é sobre a história de Wood (não existe morte por overdose no longa), mas traz aquele clima dos jovens da cidade naquele momento. Surgia o grunge.

Sou suspeitíssimo para falar de Vida de Solteiro: amo esse filme demais. Seattle é uma das minhas cidades preferidas dos EUA (não que eu conheça tantas, mas não sou muito chegado em norte-americanices, se é que me entendes, então eu gostar de lá é realmente um big deal). Comparado ao Primeiro Ano, o filme é mais adulto, mais noventista… mais minha cara, basicamente. kkkk

Bridget Fonda, Matt Dillon e Chris Cornell, isso mesmo, o Chris Cornell do Soundgarden que morreu em 2017

Bridget Fonda, Matt Dillon e Chris Cornell, isso mesmo, o Chris Cornell do Soundgarden que morreu em 2017

Uma comédia romântica que acompanha histórias paralelas, Vida de Solteiro também ficou cult porque representou o grunge antes dele invadir o mainstream de vez (a coleção primavera-verão 1993 de Marc Jacobs para Perry Ellis foi apresentada em 1992 e tomou a moda de assalto; o Nirvana lançou Nevermind em 1991 e In Utero viria em 1993). Tem até uma banda fictícia no filme, a Citizen Dick. Dizem que Chris Cornell viu a lista das músicas do Citizen Dick (elas não existiam, era só uma lista de títulos) e decidiu compor as músicas de verdade. Seasons, uma delas, está na trilha sonora. Ainda na trilha, figuram nomes como Pearl Jam e Mudhoney.

E dizem também que Johnny Depp quase ficou com o papel de Steve - que acabou indo para Campbell Scott. Os atores do longa em geral não chegaram a virar superestrelas, a não ser Dillon, que já era o mais reconhecido. Ou melhor: isso mudou um pouco com a ascensão meteórica do seu par romântico em Vida de Solteiro, Bridget Fonda.

Bridget Fonda como Janet Livermore em Vida de Solteiro: a cara feminina do grunge ao lado de Courtney Love

Bridget Fonda como Janet Livermore em Vida de Solteiro: a cara feminina do grunge ao lado de Courtney Love

Fonda, na época mulher de Eric Stoltz e sobrinha de Jane Fonda (filha de Peter Fonda), era uma das novas it girls, a nova Ringwald ao lado de Ryder, o rosto dos anos 1990. Mas a atriz, surpreendentemente, ficou nos anos 1990 mesmo. O megassucesso Mulher Solteira Procura (1992) e uma quantidade bem grande de lançamentos num curto período de tempo rendeu uma superexposição, mas a segunda metade da década não foi tão cheia de audiência para ela. Depois de terminar com Stoltz em 1998, ela acabou casando com Danny Elfman (lembra que a gente falou dele? O vocalista do Oingo Boingo fez a música-tema de Mulher Nota 1000!); sofreu um acidente de carro em 2003 no qual fraturou uma vértebra e… nunca mais voltou a atuar. A última coisa que ela fez foi um filme para a TV em 2002, o bobinho Snow Queen.

Era outra época. Estrelas de cinema não queriam ser estrelas de TV. Dizem que Fonda recusou o papel principal da série Ally McBeal em 1999 para focar nos filmes. E também dizem que ela está muito feliz, obrigada, na sua aposentadoria precoce; bem sossegadinha e linda.

Falando em TV: houve um interesse para que Vida de Solteiro se transformasse numa série. Crowe diz que esse projeto foi a semente de… Friends (1994-2004). Esse formato de jovens que moram num mesmo prédio, tudo e tal… Não é que faz sentido?

E Caindo na Real (1994) é basicamente para o mesmo público, com o mesmo apelo.

Ethan Hawke e Winona Ryder em Caindo na Real - que casalsão!

Ethan Hawke e Winona Ryder em Caindo na Real - que casalsão!

Mude de Seattle para Houston, de Matt Dillon para Ethan Hawke, de Bridget Fonda para Winona Ryder, e de música para cinema. O papel de Ryder, Lelaine Pierce, é de uma recém-formada que está fazendo um documentário sobre a vida… após se formar. Ou seja, é como um espelho: o longa fala sobre a Geração X naquele momento, e essa coleta de material dela também lida com o mesmo assunto. A narrativa segue para ela fazer uma escolha: o que é melhor, o idealismo de Troy (Hawke) ou o materialismo de Michael (Ben Stiller, que também vem a ser o diretor)? Nesse meio tempo, assim como em Vida de Solteiro, correm histórias paralelas, só que com um tom mais realista contemporâneo: Vickie (Janeane Garofalo) teve vários parceiros sexuais e se depara com a necessidade de fazer um teste de HIV; Sammy (Steve Zahn) é gay mas ainda está no armário.

A turminha: Hawke, Ryder, Garofalo e Zahn em Caindo na Real

A turminha: Hawke, Ryder, Garofalo e Zahn em Caindo na Real

Esses dois filmes são claramente dirigidos para a geração que assistiu Clube dos Cinco (1985) com 15 anos. Naquele momento com 20 e poucos, eles queriam continuar se vendo na telona. Mas as histórias também acabaram me atingindo de alguma maneira: eu, na época com bem menos de 20, assisti e imaginava como seria a minha vida na faculdade e depois dela, e imaginava que seria meio parecida com aquilo, com amigos que gostavam de ir no cinema, em shows, em exposição; com uma mistura de gente engraçada e gente profunda.

Foi exatamente isso que aconteceu, e hoje eu penso: será que eu forcei a barra para isso acontecer por causa desses filmes ou será que tudo já estava fadado a acontecer assim, naturalmente? Ou é uma combinação das duas coisas?
Acho que não importa muito. Mas esses filmes me marcaram profundamente: tenho uma conexão com eles a ponto de, inconscientemente, qualquer coisa meramente parecida com um dos dois para mim já é maravilhosa. Paixão instantânea. Seja na atuação, na estética, na narrativa.

Amo vocês! kkkkkkkkk

Amo vocês! kkkkkkkkk

Por outro lado, existe o outro lado: os filmes de John Hughes, os colegiais. É claro que Hughes virou um mote, um tema, uma referência, um objetivo. Ele era a junção da autoria com o comercial; seus filmes não são considerados o tal "cinema de autor” mas é ele quem escreve, é ele quem dirige ou quem interfere muito na direção. Não dá para negar um estilo característico. Então teve gente que não só gostou do que viu mas que quis fazer igual. Um dos nomes óbvios é Chris Columbus, tão herdeiro que, na fase "família" de Hughes, dirigiu um dos roteiros mais bombados dele, Esqueceram de Mim (1990) e sua sequência de 1992. Uma Babá Quase Perfeita (1993) e Nove Meses (1995) poderiam muito bem ter saído da cabeça de Hughes, são a cara dele.
Aí ele cometeu Eu Te Amo, Beth Cooper (2009), que apesar do nome não tem nada a ver com o universo de Riverdale, e que é uma bobagem cheia de estereótipos. Columbus ainda virou o rei das adaptações de best sellers literários com dois Harry Potters e um Percy Jackson.
NEXT!

Mas sem contar Crowe, existe um outro herdeiro de Hughes em Hollywood.

O nome dele é Judd Apatow.

Basically, my stuff is just John Hughes films only with four-letter words. Nobody made me laugh harder than John Hughes.
— Judd Apatow

Sim, ele é um herdeiro autoproclamado e a prova disso é Freaks and Geeks (1999-2000).
A série nem foi uma criação dele (ele assina como produtor executivo e dirigiu alguns episódios) mas ficou marcada como o começo de, adivinha só, uma turma. Um grupo. Um grupo de Hollywood. O FRAT PACK.

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Você não esperava uma reviravolta a essa altura do campeonato, aos 45 do segundo tempo, no meio do último post dessa série, né? Mas TEM SIM!
O termo Frat Pack foi cunhado pelo USA Today em 2004. Ele se referia a Vince Vaughn e Owen Wilson em Penetras Bom de Bico (2005) e seus comparsas, todos acostumados a trabalhar juntos assim como o Brat Pack (e talvez até mais que o Brat Pack). Em 2005, a Details chamaria Apatow (com os outros diretores Adam McKay e Todd Phillips) de frat packager. Ele é o escritor e produtor (e às vezes diretor) de várias comédias ligadas ao Frat Pack.
Minha opinião?

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Pronto falei. Mas Freaks and Geeks? Pode levar TODO MEU OURO.

Criada na verdade por Paul Feig (Missão Madrinha de Casamento, o Caça-Fantasmas só com mulheres e o filme que está em cartaz Uma Segunda Chance para Amar), a série é um mistério. Com apenas 18 episódios e aclamada pela crítica, ela não ganhou uma segunda temporada porque… por quê? Tem quem aponte o seu horário ingrato (sábado à noite) para a baixa audiência apesar dos elogios; tem quem diga que existia desentendimento na criação e que Feig (e Apatow) não queriam fazer mudanças e deixá-la mais de acordo com o gosto dos executivos da NBC. Mas é até bom que ela seja assim, uma série que durou uma temporada só, que o povo guarda no coração com saudade.

James Franco, Jason Segel, Linda Cardellini, Seth Rogen, John Francis Daley, Martin Starr e Samm Levine em Freaks & Geeks

James Franco, Jason Segel, Linda Cardellini, Seth Rogen, John Francis Daley, Martin Starr e Samm Levine em Freaks & Geeks

Freaks and Geeks entende a frustração adolescente e também apresenta um cenário de colegial com as "castas" às quais Hughes tanto se referia. Dá para entender logo pelo título: os freaks, a turma "problemática" da qual Lindsay Weir (Cardellini) quer fazer parte; e os geeks, da qual Sam Weir (Daley) faz parte. Tem muito em comum com as narrativas hughesianas, inclusive a década (se passa em 1980). E até a questão de um par romântico na trama ir para a vida real também rolou: Cardellini e Segel namoraram por um tempo.

Cardellini é a mulher do Gavião Arqueiro em Vingadores. Todo o resto desse povo, um clube do Bolinha, também foi bem-sucedido em maior ou menor grau em suas carreiras.

Ah, e não sei se você reparou: sim, na melhor tradição de Hughes, o Freaks and Geeks (e o Frat Pack) é branco, branquíssimo, branquérrimo. A diversidade racial passa longe.

Why so white?

Why so white?

Apatow parece ter ficado tão abalado com o fim de Freaks and Geeks que constantemente chama pessoas do elenco original para trabalhar com ele (o que confirma o Frat Pack). Foi o caso de um dos projetos seguintes dele, Curso: Incerto (2001-2003), série que também contou com 18 episódios e se passa na faculdade. Seth Rogen também está no elenco fixo e existem várias participações especiais: Jason Segel, Busy Philipps, Samm Levine e por aí vai.
Só que Curso: Incerto não caiu tão bem. Não ganhou status cult. Não colou.

Com coisas como Superbad: É Hoje (2007) e Ligeiramente Grávidos (2007), o Frat Pack ocupa um espaço para um público jovem que o Brat Pack ocupava antes.
A minha opinião eu já disse lá em cima em forma de gif. Freaks and Geeks é muito legal, o resto é uma bobagem.

Outras coisas deveram muito aos filmes do Brat Pack. Um episódio de Dawson's Creek de 1998, por exemplo, se chama Detenção e é totalmente baseado em Clube dos Cinco (spoiler para quem não lembra: é IDIOTA). 10 Coisas que Eu Odeio Sobre Você (1999) traz esse ambiente colegial e atualiza a história de A Megera Domada de Shakespeare com a ajuda do charme de Heath Ledger. As Vantagens de Ser Invisível (2012), baseado no livro de Stephen Chbosky (que também dirigiu e fez o roteiro), é meio que um drama Hughes atualizado e mais dramático. Juno (2007), um roteiro de outra herdeira de Hughes, a Diablo Cody, traz um drama que nunca esteve no universo criativo de Hughes: a gravidez na adolescência. Cody já chamou Hughes de um dos seus "grandes heróis”.

Hughes’ movies were my film school. As crazy as it sounds, The Breakfast Club is the first thing that I ever wrote about online. Ever. My brother got a dial-up modem a long time ago and we got on one of those like bulletin board-type chatrooms — very crude — and I just started asking people about it. And they told me to go away, because I didn’t understand chatroom etiquette at the time. I was interrupting the conversation between the other hardcore geeks on their dial-up modems. It was my first time being flamed. [Laughs] But it’s funny to me that my very first impulse was to talk about that movie. More than influencing me as a filmmaker, it influenced me as a person.
— Diablo Cody para a Rolling Stone
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Ellen Page e Michael Cera em Juno

Muita gente acha o filme melhor que os retratos de Hughes da adolescência. Gosto de ambos por motivos diferentes!

Bom, eu acho que tem uma outra série que pouca gente comenta que é muito hughesiana. MUITO. E é maravilhosa. Se você tiver chance, assista My Mad Fat Diary (2013-2015)!

Nico Mirallegro, Jodie Comer, Sharon Rooney, Dan Cohen (lá atrás) e Jordan Murphy em My Mad Fat Diary

Nico Mirallegro, Jodie Comer, Sharon Rooney, Dan Cohen (lá atrás) e Jordan Murphy em My Mad Fat Diary

Para começo de conversa, a série é inglesa. À sensação de inadequação inerente do adolescente, aqui também se acrescenta uma protagonista gorda e na luta pela sua saúde mental. Rae (Sharon Rooney) passou por uma instituição psiquiátrica por meses por causa de uma tentativa de suicídio e agora tenta reatar laços com a sua amiga de infância Chloe (Jodie Comer). A turma de Chloe acaba virando também sua turma, mas Rae procura esconder os problemas do seu passado recente.

A série se passa em 1996, portanto tem uma trilha sonora absolutamente PERFEITA com britpop e o pop dos anos 1990. Sinto-me em casa! Acho bem diferente de Skins, que para mim é mais novelão com momentos muito bobos.
Rae Earl realmente existe na vida real. A série se baseia em seus diários (daí vem o nome). Mas Finn (Nico Mirallegro) foi criado, e a história original se passa nos anos 1980.

Só de ouvir a música de abertura dá uma aquecidinha no coração e cai uma lagriminha!

Assista! Faça isso por você!

Assista! Faça isso por você!

Para terminar com chave de ouro, queria falar sobre um tesouro que segue desconhecido até hoje.

Oil and Vinegar, o roteiro perdido

Em algum momento da história, existiu um roteiro de John Hughes chamado Oil and Vinegar, que seria protagonizado por Ringwald e Matthew Broderick e dirigido por Howard Deutch. Na mesma lógica de um dos maiores sucessos de Hughes Clube dos Cinco, Oil and Vinegar se passaria quase em sua totalidade dentro de um carro. Ringwald seria uma mulher pedindo carona, bem rock and roll, e Broderick seria um vendedor que viaja para as praças que ele precisa atuar de carro, está noivo e… dá carona para Ringwald. Tudo isso era uma desculpa para que ambos, daquele jeitinho bem Clube dos Cinco, se abrissem um para o outro em pegada existencial.

Dizem que Hughes acreditava tanto no roteiro que queria dirigi-lo ele mesmo. Deutch teria convencido-o a passá-lo para ele - porque também ficou encantado com o texto. Só que Deutch, segundo o próprio, deu para trás - estava estafado após Alguém Muito Especial e queria começar a fazer coisas só dele, a se desprender de Hughes. Jon Cryer conta uma versão diferente: na verdade Hughes não gostou desse interesse todo de Deutch e o desligou do projeto para tocá-lo sozinho.

Nessas idas e vindas, com o estúdio pedindo alterações (e Hughes não querendo reescrever o roteiro), Ringwald também diz que, na hora do vamos ver, ela acabou entrando em outro filme e abandonando o barco.

Essas páginas ainda devem existir em algum lugar. Seria certo fazê-lo hoje? Imagino que não: sem Hughes, sem Ringwald, sem Broderick? Resta-nos imaginar. Seria a versão melhorada de O Primeiro Ano? Seria melhor que Vida de Solteiro? Traria uma carreira mais prolífica e com hits para Ringwald nos anos 1990?

Ficam as perguntas.

Brat Pack parte 5: a dupla de filmes teen de Joel Schumacher

Joel Schumacher é um diretor bastante conhecido pelas coisas de ação que fez. Batman Eternamente (1995), Por um Fio (2002), 8MM: Oito Milímetros (1999). Também tem umas coisas maravilhosas ali pelo meio de sua filmografia como Ninguém é Perfeito (1999) com Philip Seymour Hoffman no papel de uma transexual (em desempenho injustamente ignorado pelo Oscar) desafiando a homofobia do personagem policial machão de Robert De Niro; ou O Cliente (1994) que rendeu indicação ao Oscar para Susan Sarandon.
Mas nos anos 1980 ele tinha começado sua carreira fazia muito pouco tempo. Seu escritório ficava pertinho do de John Hughes e Cameron Crowe. E Schumacher, que começou uma carreira na moda e depois foi figurinista por alguns anos (acredita que é dele o figurino de Interiores e O Dorminhoco, longas de Woody Allen?!), cometeu dois clássicos, um em seguida do outro. O primeiro é um dos símbolos do Brat Pack.

Opa. Você não sabe o que é Brat Pack? Então para tudo e confere esses posts antes de continuar:

. O que é e quem são os Brat Pack?
. Qual é o primeiro filme do Brat Pack? Há controvérsias…
. A santíssima trindade do Brat Pack: Molly Ringwald, John Hughes e Anthony Michael Hall
. O grande clássico do Brat Pack: Clube dos Cinco

Pronto? Preparado?
Agora está na hora de pegar fogo de mentirinha com o St Elmo's Fire, que no Brasil virou O Primeiro Ano do Resto de Nossas Vidas (1985)!

O fenômeno fogo de Santelmo, que dá nome ao filme original e também à música tema homônima assinada por John Parr, é metereológico, uma luminescência em plasma que geralmente ocorre em tempestades ao redor de formas afiadas. Parece fogo. Mas não é.
Na letra da música, John Parr canta: “I can climb the highest mountain, cross the widest sea / I can feel St. Elmo's fire burning in me, burning in me”, o que é esquisito porque na verdade o fogo de Santelmo é uma mentira. Mas é causado por causa da eletricidade… Será que é a isso que ele se refere? Parece falar de impulsividade, de garra.
O filme é mais um daqueles sobre amadurecimento, coisa e tal.

7 estrelas promissoras: Rob Lowe é Billy, Ally Sheedy é Leslie, Judd Nelson é Alec, Mare Winningham é Wendy, Andrew McCarthy é Kevin, Emilio Estevez é Kirby e Demi Moore é Jules

7 estrelas promissoras: Rob Lowe é Billy, Ally Sheedy é Leslie, Judd Nelson é Alec, Mare Winningham é Wendy, Andrew McCarthy é Kevin, Emilio Estevez é Kirby e Demi Moore é Jules

A história de 7 amigos recém-formados, enfrentando a vida adulta, é o mote - só que aqui não é Friends, o clima é de drama. Lançado um pouco depois de Clube dos Cinco, tinha tudo para ser um filme tão clássico e importante quanto. Mas faltou roteiro, faltou carisma, faltou música boa (a de Parr é inegavelmente pior que o clássico do Simple MInds Don't You Forget About Me). O Primeiro Ano é ruim. Tem quem defenda que ele é o pior filme já feito! E não foi por falta de aviso: o próprio Schumacher conta no livro You Couldn't Ignore me If You Tried da Susannah Gora que um diretor de estúdio disse sobre o roteiro que aqueles eram “os seres-humanos mais nojentos que jamais vi impressos em uma página".

Não dá para defender muito Schumacher e o seu colega roteirista Carl Kurlander: se eles tiraram todas essas histórias da vida real, como Kurlander alega, a vida real era realmente fodida. De stalker (Kirby) a idiota machista (Billy, que claramente é a matriz do Billy interpretado por Dacre Montgomery na série Stranger Things), os problemas só se empilham. Wendy, por exemplo, é virgem - e isso é visto como algo absurdo. E a atriz que a interpretou já tinha filho na época. HAHAHAHAHA

Jules, Wendy e Leslie - vida difícil a deles perto desses rapazes tontos do filme

Jules, Wendy e Leslie - vida difícil a deles perto desses rapazes tontos do filme

Aliás, vamos falar de idade: como é que pode Nelson, Sheedy e Estevez terem interpretado alunos do Ensino Médio no Clube dos Cinco e recém-formados na faculdade em O Primeiro Ano, sendo que os dois filmes foram lançados em 1985? Mistérios de Hollywood. Os 3 atores foram sugeridos pelo próprio Hughes.

No caso de Moore, ela foi fazer um teste para um filme no escritório de Hughes. Não passou. Saiu toda irritada e apressada. Schumacher olhou para ela saindo (lembra? O escritório dele era no mesmo prédio) e disse para Kurlander: "Corre atrás e descobre se ela é atriz, ela é a nossa Jules!"
E foi mesmo. Imagina o coitado do Kurlander chegando em Demi Moore e perguntando: “Oi, more, tudo? Escuta, você é atriz?"
Se bem que em Los Angeles deviam fazer isso direto.

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Demi Moore

Ao contrário da Demi Lovato, ela realmente chama Demi, está lá no RG dela! kkkkk

Moore era musa mor do Brat Pack, apesar de Molly Ringwald ser muito mais conectada com o termo hoje. E era "da confusão", sabe… Na sua recém-lançada autobiografia, ela conta que ia ser mandada embora de O Primeiro Ano por causa do vício em cocaína, mas se ela desse entrada numa clínica de reabilitação, eles a deixariam continuar. Foi o que ela fez.

St. Elmo’s will always be the movie that changed my life. If I hadn’t gone to rehab to make that film, I really wonder if I’d still be alive.
— Demi Moore no seu livro Inside Out

A personagem de Moore, Jules, também é cocainômana. Uma das cenas que fica entre o bizarro e o dramático é uma das finais, na qual ela tenta se matar… congelada dentro do seu apartamento, que já não tinha móveis porque ela os vendeu para comprar drogas. Jules abre todas as janelas, desliga o aquecedor. "Como assim??”, você se pergunta. Mas o roteirista Kurlander garante que um amigo dele também tentou se matar assim. Chocado!

Tem mais revelações na bio de Demi, claro. A atriz diz que tirou a virgindade de Jon Cryer enquanto filmava No Small Affair (1984) com ele (era a estreia do ator nas telonas, dois anos antes do lançamento de A Garota de Rosa-Shocking). Ela também fala que teve um one night stand com Rob Lowe antes de virar noiva de Emilio Estevez.

Emilio & Demi

Emilio & Demi

Sim, eles começaram um relacionamento durante as filmagens de O Primeiro Ano, assim como outro casal símbolo do Brat Pack, Ringwald e Anthony Michael Hall, começaram a namorar durante as filmagens de Clube dos Cinco. <3 Os brutos e as jovens estrelas de cinema também amam.

Outro fato curioso é que Demi e Emilio terminaram por causa de traições (não fica claro de quem para quem, mas conhecendo o histórico e como eles eram vidaloka na época, provavelmente ambos se traíram). Porém, mesmo depois do término seguiram amigos. E foi acompanhando Estevez em uma pré-estreia, já só na amizade, que Demi encontrou um outro cara… Bruce Willis, que viria a ser seu marido. Sheedy, amigaça de Demi, foi madrinha no casamento.
(Demi & Emilio são amigos até hoje. Ela faz parte do elenco de Bobby de 2006, longa sobre Bobby F. Kennedy escrito e dirigido por ele. O novo marido de Demi na época, Ashton Kutcher, também fez um papel!)

Kevin (Andrew McCarthy) e Jules (Demi Moore)

Kevin (Andrew McCarthy) e Jules (Demi Moore)

E o Andrew McCarthy, hein? Muita gente o aponta como um membro do Brat Pack mas ele nega. Na lógica deles serem, acima de tudo, um grupo de amigos, Andrew, que também fez A Garota de Rosa Shocking, explica que nunca mais encontrou esse povo do elenco depois de O Primeiro Ano e que, na verdade, ele nunca encontrou um dos mais proeminentes membros do grupo, Michael Hall, ao vivo. Eita! McCarthy de fato sempre foi meio que o patinho feio dessa turma - dizem que o povo fazia bullying com ele desde Uma Questão de Classe (1983), que conta com Rob Lowe e John Cusack. Ô, tadinho. Ao mesmo tempo, foi colega de quarto de Estevez, o rei do Brat Pack, como um laboratório para seus respectivos personagens em O Primeiro Ano. Ué…

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Queira ou não

McCarthy seguiu sendo considerado parte do Brat Pack. kkkkkk Já Mare Winningham, como vimos no primeiro post dessa série, nunca foi - já era mãe, então era vista como de outro rolê

Existe uma notícia circulando esse ano de que vai rolar um remake de O Primeiro Ano na NBC em forma de série. Oh, well…

Se a gente pensar em moral da história, a de Clube dos Cinco, aquela coisa de "não se leve pelas aparências, não aceite rótulos”, é mais atraente que a pegada "todo mundo muda quando amadurece, seus amigos da época de faculdade não necessariamente vão ter a ver com você na vida adulta". Para ser bem honesto, acho O Primeiro Ano bem pau molão. Tem várias coisas bizarras na trama, a começar pelos apartamentos - que recém-formado teria dinheiro para bancar lugares tão descolados? Schumacher já disse que isso é uma fantasia bem na linha dos anos 1980, com a cultura yuppie querendo ostentar mais do que podia. Okay then. E esse grupo de amigos é aquele roteiro típico de amigos diferentões para representar pessoas diversas numa mesma trama - mas se eles têm pouco em comum, por que são amigos? (Sim, Sex and The City, eu estou falando com você)

Já o filme seguinte de Schumacher, que muita gente não considera do Brat Pack porque não tem membros desse Brat Pack principal, é MUITO LEGAL.
E traz os Coreys (Haim e Feldman) mais Kiefer Sutherland, que muita gente inclui na lista Brat Pack sim.
Você já adivinhou, né?

Dwayne (Billy Wirth), David (Kiefer Sutherland), Paul (Brooke McCarter) e Marko (Alex Winter)

Dwayne (Billy Wirth), David (Kiefer Sutherland), Paul (Brooke McCarter) e Marko (Alex Winter)

Os Garotos Perdidos (1987) é um caso a parte por aqui. Primeiro porque é o primeiro filme que junta os inseparáveis Coreys - que viraram amigos inseparáveis e voltaram a ser colegas de elenco por mais um monte de filmes. Uma vez que é mais centrado neles, Garotos é quase um filme pré-adolescente, mais próximo de Conta Comigo (1986) e Goonies (1985) do que do Brat Pack. Os Coreys e River Phoenix (de Conta Comigo) até são considerados parte do Brat Pack por alguns, mas fica clara a diferença de idade entre eles e os atores de O Primeiro Ano. Os mais velhos de Garotos, fora Sutherland, não fizeram muito sucesso: o belo Patric chegou a fazer Sleepers: A Vingança Adormecida (1996) sem alcançar o mesmo destaque que os colegas (o elenco incluía Brad Pitt, Kevin Bacon, De Niro e Dustin Hoffman), nunca bateu a fama de Lowe apesar de seu rostinho ter muito potencial; Jami Gertz em certo momento da carreira começou a focar mais na TV e por lá ficou.

Motos, jaquetas: signos ligados ao bad boy nesses longas. Aqui, Jason Patric como Michael

Motos, jaquetas: signos ligados ao bad boy nesses longas. Aqui, Jason Patric como Michael

E segundo: a história de Os Garotos Perdidos é mais fantasiosa. A gente até pode entender como uma metáfora do tipo "negação da vida adulta”, e a inspiração inicial do roteiro foi justamente Peter Pan e os garotos perdidos, que não querem crescer. Mas existe mais entretenimento do que profundidade aqui. Sem julgamentos: nessa pegada, Schumacher manda melhor! Mas os filmes adolescentes de Hughes parecem ter mais nuances e complexidades. Quando Schumacher tentou isso, em O Primeiro Ano, foi um flop.

Kiefer nunca foi exatamente parte do Brat Pack. Mas acabou acrescentado no rol dos bad boys no imaginário dos anos 1980 por causa desse personagem, David. Ficava difícil acreditar na toada do "stay away from drugs” simbolizada no "não tome o líquido da garrafa” quando a turma de David era tão legal - ou, pelo menos, tão mais legal que o resto. Eles pareciam se divertir, ao menos, com suas motos e seu figurino heavy metal. Em contraponto, o look de Sam (Haim), bem coloridão verão, uma pegada parecida com a que a gente viu na temporada 3 de Stranger Things em Eleven (Millie Bobby Brown), ajudava no “lado bom" da força.
Mas nem Haim stayed away from drugs. Feldman cheirava cocaína nessa época, e ofereceu para Haim. Tinham 14 anos. Feldman diz que também foi nessa época que ele e Haim sofreram abusos sexuais do que ele chama de círculo de pedofilia de Hollywood. Feldman hoje é desacreditado e zoado pela indústria cinematográfica como um doido que perdeu o cérebro para as drogas; Haim morreu em 2010, a autópsia e exame toxicológico foram considerados inconclusivos e a causa apontada é a pneumonia, apesar de tanta gente dizer que ele morreu de overdose.
Será mesmo que não existe verdade nesses abusos?

Sam (Corey Haim) na loja de quadrinhos

Sam (Corey Haim) na loja de quadrinhos

Os irmãos Frog, Edgar (Corey Feldman) e Alan (Jamison Newlander). O nome deles é em homenagem a Edgar Allan Poe. E Edgar tem referência dos filmes de ação da época, tipo Rambo, com a faixa na cabeça e o camuflado

Os irmãos Frog, Edgar (Corey Feldman) e Alan (Jamison Newlander). O nome deles é em homenagem a Edgar Allan Poe. E Edgar tem referência dos filmes de ação da época, tipo Rambo, com a faixa na cabeça e o camuflado

Fica atento: o próximo post fala sobre o galã mais belo do Brat Pack… e o seu crime que quase custou sua carreira. Vish!