Wakabara

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Como pode o Cornélius, né?

Confesso que tem poucas coisas na música que não me atraem, e quando elas ainda não me atraíram, é provável que em algum momento eu enxergue o valor e comece a ouvir mais.
É o caso do hard rock cabeludo brasileiro dos anos 1970 e 1980 (e mesmo as bandas internacionais na mesma pegada). O tropicalismo segue sendo uma das minhas coisas preferidas do mundo; o BRock, em menor intensidade, também. Mas do recheio deles, curto Secos & Molhados (MUITO) e olhe lá.
Porém tem algo crescendo aqui. Uma pessoa, particularmente. E o nome dele é Cornélius.

Chamado Cornélio de Aguiar Neto, Cornélius acabou conhecido como Cornélius Lúcifer quando assumiu os vocais da Made in Brazil, banda longeva daqui, que começou lá em 1969 e, inspirada no glam rock de fora, começou a se maquiar no palco (diga-se de passagem, antes do Secos & Molhados).
Apesar de Cornélius volte e meia ter se apresentado com o Made in Brazil antes de morrer em 2013, só existe um disco da banda com seus vocais: é o disco da banana, de 1974 (é conhecido por esse codinome porque o disco tem uma bananinha estampada na capa).

A voz de Cornélius realmente chama a atenção, bem na escola hard rock, rasgada e com agudos. Ele mesmo já disse que, como os equipamentos eram ruins, gritava e nem sabia se cantava direito porque não se ouvia. A grande maioria das músicas desse primeiro disco é composta por Oswaldo Vecchione, baixista e um dos membros fundadores ao lado do irmão guitarrista Celso Vecchione.

Aí já chama a atenção uma história muito boa. Diz que Quando a Primavera Chegar, música dos irmãos Celso e Oswaldo que foi gravada no disco seguinte já sem a participação de Cornélius (substituído por Percy Weiss), já era apresentada em shows antes (com Cornélius). Mas a letra não era assim. Em vez de “tomar um sorvete”, ela provocava um pouco mais com “chupar um sorvete”. Ouça a versão já censurada do disco Jack O Estripador de 1976:

Ouviu?
Esse medo, esse receio, esse desejo de chupar (disfarçado aqui em tomar)…
Recado dado, né?

Enquanto o Made in Brazil lançava Jack o Estripador, Cornélius seguiu a vida e deu um tempo do rock com Santa Fé, um álbum solo lançado em 1976 cuja capa ainda trazia uma imagem andrógina. Ele mesmo passou a assinar como Cornélius Santa Fé - dando a impressão que queria deixar o demônio roqueiro para trás, tanto no nome artístico como na música, mais para MPB romântica e para funks nervosos. Ele já declarou em entrevistas posteriores que estava numas de desenvolver a espiritualidade. E uma das canções simplesmente se chama Você Jamais Irá Pro Céu! Ainda assim, rolam uns vocais rasgados, uns solos…

A coisa aqui começa a ficar mais suingada, mais dançante. O soul à Roberto Carlos e Tim Maia contaminou Cornélius, a ponto dele fazer uma música toda em inglês chamada Soul Tramp! É o início de uma mudança grande de carreira, em direção a algo que ainda estava surgindo na época mas que iria estourar.

Fala sério, olha esse look? AFFFF que ícone

E aí, em 1978, a febre disco music chegou. Cornélius foi um dos que entraram de cabeça. Injustamente, depois ele chamou isso de “prostituição”, renegando essa fase de sua carreira.

Eu Perdi Seu Amor virou hit de programa de auditório e tudo. Um dos compositores é Paulinho Camargo e, para mim, Eu Perdi Seu Amor faz parte da trilogia de hits discoteca dele ao lado de A Noite Vai Chegar de Lady Zu e Amor Bandido de Sarah Regina. Todas perfeitas.
Quanto à capa do single, bem, quem vem ao glam não degenera. É como se fosse um desenvolvimento da capa de Santa Fé, o mesmo biquinho, o chapéu pintoso, mas agora com muito brilho!
Acontece que Cornélius não chegou a lançar um disco inteiro de disco music. O que rolou foi um EP, com as mesmas músicas desse single mais Fugindo de Mim (de Paulinho com Dalila Camargo) e Se Você Quiser Transar Comigo (de Hébano).

(Já deu para perceber que Cornélius SERVIA nas capas, né?)

Ainda houve uma última tentativa de emplacar em mais um single no ano seguinte, dessa vez com Paulinho Camargo se unindo ao dream team Lincoln Olivetti e Robson Jorge para compor a música Enquanto Houver Amor. Menos disco, mais funk cheio de groove. E quer saber? É bom demais.

O que aconteceu para não acontecer? A voz era ambígua demais e já bastava um Ney? Não teve investimento de divulgação? Mistérios do pop.

Deixa, a faixa do outro lado desse single de 1979 e de composição de Frankye Arduini (da incrível dupla Tony & Frankye), entrou para a coletânea Disco É Cultura de 2020 da Mad About Records, que há pouco tempo estava no Spotify (e é ÓTIMA) e sumiu. Talvez porque era pirata. Rsrsrsrs!

Cornélius nunca mais teve um registro próprio em disco depois de 1979. Como já disse, ele participava de show da Made in Brazil esporadicamente. Cornélio quis “assassinar” o Cornélius, após se “prostituir” na disco music (e ganhar muito dinheiro com isso, como reconhecia), porém não emplacou uma “nova era” antes de morrer.

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