Wakabara

View Original

As capas de disco de Andy Warhol

Falei de capas de disco faz um tempinho - mais especificamente nas ilustrações clássicas de Elifas Andreato para a MPB.
É interessante refletir sobre essa questão das capas - hoje, numa época em que CD está sendo superado, o suporte para a arte gráfica é um thumb no celular. Esse é o assunto desse episódio do Popcast, o podcast sobre universo pop do New York Times:

See this content in the original post

São bem interessantes as reflexões que o apresentador Jon Caramanica e o convidado Teddy Blanks fazem. Incluem a transição de capas antes pensadas para a mídia vinil, grandes, para o formato de CD, pequeno; e ainda para Spotify, Apple Music e congêneres depois, menor ainda. Essa arte, uma porta de entrada, ainda é necessária? Ela não poderia ter outro formato? Quais capas funcionam em todos esses tamanhos? E no que o designer precisa pensar em cada um dos casos (ou em todos)?
Eles usam muito como exemplo a capa do álbum novo de Young Thug, o So Much Fun.

Lembrando que a venda de vinil pode ultrapassar a venda de CDs em 2019 - coisa que não acontece desde 1986! A notícia é da Rolling Stone. Mudanças no trabalho de designer à vista novamente?

Refletindo sobre isso e também pensando nas minhas capas de vinil preferidas, cheguei à conclusão que algumas das minhas preferidas são assinadas por ninguém menos que Andy Warhol. A peça-chave da pop art fazia comentários sobre a reprodução de imagens e a estética do capitalismo, porém eles não eram necessariamente críticas negativas. Aliás, pelo contrário: parecia haver um encantamento em Warhol pela fama, pela reprodutividade do seu próprio trabalho, pelo comércio e indústria. Vou mostrar aqui algumas das capas que ele criou e que gosto. Vamos a elas:

#1: Sticky Fingers (1971) - The Rolling Stones

O zíper era funcional, mas uma vez usado, já era - coisa que fez com que as edições nas quais o zíper ainda não está para baixo sejam caríssimas no mercado de revenda. Dizem que a ideia foi apresentada por Warhol para Mick Jagger numa festa em 1969 e na verdade Craig Braun é quem teve que colocar a mão na massa para fazer a coisa ficar funcional. Por baixo, tem uma cueca (é, não se anime); e o modelo não foi Jagger como muita gente pensa (é, não se anime parte 2). Ninguém tem certeza de quem é esse modelo, na verdade - pode ser Joe Dallesandro, um dos musos de Warhol… ou não. Risos.
Uma outra curiosidade é que foi nesse álbum que também estreou o famoso logo da língua dos Rolling Stones - criado por John Pasche e guardado no layout de dentro da capa.
Braun também seria o hands on de outra capa com conceito de Warhol. Essa aqui…

#2: The Velvet Underground & Nico (1967) - The Velvet Underground

A gente nem sempre pensa nisso, mas esse álbum é algo completamente exótico se você refletir. Ele veio em 1967, antes de maio de 1968 (!), de Abbey Road dos Beatles (!!), e um pouco depois do começo do futurismo na alta-costura com André Courrèges, Paco Rabanne e Pierre Cardin. Warhol era muito moderno - costumamos juntar tudo no mesmo balaio dos anos 1960 esquecendo que uma década tem 10 anos e várias das obras mais importantes dele, que refletiam a sociedade consumista com uma estética muito característica e depois influente, são do começo dessa década! E o Velvet Underground, banda intimamente ligada a Warhol, também era muito moderno: na música, no look, na atitude. Modernos até hoje. Uma loucura.
Isso tudo para dizer que esse álbum da banana é a culminação tanto da estética de Warhol que já existia quanto do clima vanguardista do Velvet Underground. E o toque de uma fonte cursiva funcionando como uma assinatura de uma obra de um artista é tudo. Como se fosse mais importante o nome dele que o da banda, inexistente aqui. Que tal?

#3: Menlove Ave (1986) - John Lennon

O segundo álbum póstumo de Lennon, produzido sob a supervisão da viúva Yoko Ono. Dizem que Warhol na verdade fez essa ilustração em 1980, meses antes da morte de Lennon. Yoko deu esse nome ao álbum em referência ao endereço da infância do artista, a Menlove Avenue em Liverpool, porque as músicas, para ela, remetem ao som dos primórdios do rock 'n’ roll que ele ouvia nessa época.

#4: Querelle - Ein Pakt Mit Dem Teufel (1982) - Peer Raben

Acho linda: o destaque da língua vermelha na capa da trilha sonora do clássico homoerótico do cineasta Rainer Werner Fassbinder inspirado na obra de Jean Genet é supermoderno. Mas o casal da capa, na minha humilde opinião, é claramente mais jovem que os retratados no longa. Não consegui achar informações a respeito dela na internet, mas desde que a vi, sempre achei belíssima.

#5: The Academy in Peril (1972) - John Cale

Ao que tudo indica isso foi uma troca de gentilezas: Cale deixou Warhol usar a música Days of Steam no seu filme Heat (1972), e Warhol em troca criou essa capa. Gosto muito da ideia, que tinha profundidade também: todas essas janelinhas dos "slides”são vazadas, e as imagens fotográficas foram impressas na capa de trás.

Cale era integrante do Velvet Underground. Andy Warhol nunca fez uma capa de álbum para Lou Reed.

#6: Reading From the Glass Menagerie, The Yellow Book and Five Poems (1960) - Tennessee Williams

O que adoro nessa capa é que, junto com as ilustrações do Andy Warhol, acompanha a caligrafia de ninguém menos que a mãe dele, Julia Warhola. Acho o resultado, junto com essa cartela do degradê, muito delicado. Apesar dessa ilustração só ter saído em edição de 1960, a gravação do dramaturgo Williams foi feita em 1953. Especula-se que os desenhos são de 1957. Warhol também desenhou um unicórnio muito parecido para uma campanha de 1957 da estilista Schiaparelli.

Warhol e Williams eram meio que do mesmo rolê. O dramaturgo também era amigo próximo de Truman Capote.

#7: The Smiths (1984) - The Smiths

O álbum homônimo da banda de Morrissey e Johnny Marr na verdade é um caso a parte porque não se trata de um design assinado por Andy Warhol. É uma imagem retirada de um recorte de um still do filme Flesh (1968), produção do artista dirigida por Paul Morrissey (sem parentesco com o cantor), que trazia o muso Joe Dallesandro (olha ele aí de novo) como um recém-casado que vira michê para pagar o aborto da namorada da sua mulher. Pode reler a frase, mas é isso mesmo que você entendeu. O torso nu da foto é do próprio Dallesandro.
As capas do The Smiths que viriam posteriormente também trabalhariam nesse esquema de reapropriação. Artistas clássicos, recortes de fotos pré-existentes (às vezes com um olhar homoerótico). Candy Darling, outra musa de Warhol, apareceria na capa do single de Sheila Take a Bow (1987) retirada de um still de outro filme, Women in Revolt (1971).

Hey, Candy!

#8: This is John Wallowitch (1964) - John Wallowitch

São 56 fotos daquelas cabines fotográficas de 3x4 que formam a capa desse álbum que é considerado um dos mais raros entre os que possuem design de Andy Warhol. Esse tema da repetição é bem típica do trabalho de Warhol. Acho chique a gravatinha fina, o recorte bem na altura da boca escondendo o rosto transformando o músico em anônimo… Mas, confesso, nunca ouvi John Wallowitch.

#9: Made in Spain (1983) - Miguel Bosé

Acima você vê a capa do CD aberta mas a do vinil também segue o mesmo esquema - retratos de Bosé postos lado a lado naquele traço característico de Andy Warhol misturando foto e traços à mão. Mas então porque gosto mais desse que o da Diana Ross ou o da Aretha Franklin, que também já lançaram capas com desenhos de Warhol? Porque gosto da combinação de cores com fundo branco, esse fluo bem oitentista, e da ideia da repetição em si, de vários intérpretes em um no caso de um músico.
Bosé pensou em convidar Warhol porque esse álbum tomaria uma direção mais pop em sua carreira. Aí chamou o papa da pop art, mas sem muita expectativa. Para sua surpresa, ele aceitou o job de primeira.

#10: French Kissin (1986) - Debbie Harry

Frente e verso. Em 1986, Debbie já conhecia Andy Warhol. O Blondie já tinha estourado, ela já tinha sido fotografada nas famosas polaróides do artista. Era NY na virada dos anos 1970 para 1980, então todo mundo dessa turma se conhecia. E aí Debbie estava lançando seu segundo álbum solo, Rockbird. A capa é bem parecida com essa aí de cima e foi criada por Stephen Sprouse, outro artista da cena novaiorquina da época (aquele que depois fez parceria com a Louis Vuitton nas bolsas com essa mesma letra de cara grafitada, lembra?). O fundo é uma pintura de Warhol (um camuflado) e a foto é da dupla que assina Guzman (Connie Hansen e Russell Peacock). No verso do álbum, essa mesma ideia da capa invertida com o escrito ao contrário, espelhado. Escolhi o single French Kissin porque acho mais warholiano esse P&B, mas… essa também não é exatamente uma capa de Andy Warhol. Tem muito dele, é inegável. Agora, a melhor versão seria uma que foi descartada…

Aí sim, hein? Clique da mesma sessão de fotos da dupla Guzman

BÔNUS: Debbie canta numa cama com lençol camuflado by Warhol (finaaaa) no clipe de French Kissin. Amei. Mas odeio camuflado. Afffff.